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Ponto de Vista do Batista
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O mata-borrão

Nylton Gomes Batista

Para quem viveu a infância nos anos 40, viu, sentiu e experimentou muitas daquelas situações, comentadas na semana passada e, hoje, nem de longe percebidas. No meio da multidão, não são muitas as pessoas, que as vivenciaram; essas pessoas, se não estão dentro da faixa dos 80 anos de idade, dela não estão longe. De algumas coisas comuns, daquela época, não resta nem lembrança; por exemplo, quem sabe o que era mata-borrão?

Não, não era coisa de comer, mas podia ser comido de raiva, quem negligenciava a necessidade de seu uso, no momento certo. O mata-borrão era coisa simples, aparentemente insignificante, porém, essencial às atividades do estudante, a partir do segundo ano do antigo curso primário; companheiro inseparável na mesa de trabalho, nos escritórios, em geral; nas repartições públicas etc. Até para se escrever uma simples carta, o meio de comunicação mais comum entre pessoas, o mata-borrão podia ser necessário. Não passava de um papel grosso, em formato de cartão, cuja característica específica era a porosidade; extremante poroso.

Naquela época, a escrita, na maioria das vezes, era manual, e, o meio utilizado era a pena (espécie de estilete metálico), molhada em tinta, ou a caneta tinteiro, mais sofisticada, como portadora de depósito de tinta, recarregável e custo bem superior ao da pena de molhar. A tinta era liberada na escrita, de forma irregular, que resultava em muitos pontos com excesso de tinta, que demoravam um pouco a secar. Aplicado e pressionado à página escrita, o mata-borrão cumpria a função de absorver a tinta em excesso, evitando, assim, que a página ficasse borrada. Nos escritórios e repartições públicas, o mata-borrão era afixado sob a base de peça semelhante a carimbo e, afora esses casos, era utilizado, isoladamente.

Imagine-se alguém a fazer um registro importante, em livro como os de cartório. Se o livro fosse fechado, sem que antes fosse aplicar o mata-borrão, podia-se ter todo o trabalho comprometido. E não era somente ao fechar o livro; qualquer coisa que caísse ou esbarrasse na página recém-escrita podia causar os mesmos danos. Na era do trabalho manuscrito, muita gente se desgrenhou e teve que refazer muito do já pronto, por ter se esquecido de aplicar o mata-borrão. Seria como no princípio da era do PC; trabalhos inteiros se perdiam, quando se esquecia de salvar, à medida que se escrevia; bastava um pique de energia para tudo se perder. Hoje, isso raramente acontece, pois já existe o salvamento automático.

Como se vê, antes do computador, o salvamento de um trabalho escrito podia estar no uso do, aparentemente insignificante, mata-borrão!

Segundo informações, podia ser adquirido em papelarias e outros estabelecimentos, porém creio que seria do tipo dupla face, consumido por escritórios, pois outros consumidores obtinham-no gratuitamente. Era mui necessário a quem escrevia, mas ao consumidor comum, uma face bastava, razão pela qual laboratórios farmacêuticos utilizam uma das faces como veículo de propaganda e distribuía nas farmácias. Além de sua indispensável participação, no mundo da escrita, talvez o mata-borrão tenha sido o mais eficiente veículo de publicidade dos laboratórios, pois, ao contrário dos jornais, revistas e do Rádio (televisão ainda não havia), as mensagens levadas pelo mata-borrão chegavam, praticamente, a todas as casas. Assim sendo, a escolares e povo, em geral, bastava entrar numa farmácia e solicitar quantos precisasse. Caído no esquecimento a partir dos anos 50, o extinto mata-borrão só chega ao conhecimento das atuais gerações mediante relatos-lembretes como esta. No entanto, àquela época, o uso do mata-borrão tinha início, mais ou menos, aos 8 anos de idade, quando o escolar ia para o segundo ano, no antigo curso primário. Era a grande novidade para a garotada que aprendia as primeiras letras. No primeiro ano, a ferramenta era tão somente o lápis, más, no segundo, entrava a caneta tinteiro ou a pena de molhar, para escrever a tinta, igual a gente grande! Antes, porém, os novos escreventes a tinta faziam fila em farmácias, para garantir seu mata-borrão. Na verdade, era apenas para estabelecer contato com a nova ferramenta de escrita, pois o início do uso da tinta se revelava em tão só lambanças; tinta derramada em carteiras, camisa branca tingida de azul, cadernos inutilizados. Até que aprendiam a dominar a coisa, os acidentes com tinta prosperavam. Não se sabe de outra coisa, tal qual ou mais simples, que tenha sido, em sua época, mais útil que o mata-borrão!

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