Nylton Gomes Batista
Para quem nasceu no século em curso, uma corrida d’olhos em relatos de como era a vida, alguns anos antes de seu nascimento, pode revelar surpresas, coisas, hoje, inimagináveis; observando-se que quem nasceu no último ano do século 20 (ano 2000), agora conta vinte e cinco anos. As transformações têm acontecido com tal rapidez que, em alguns casos, não tem havido tempo suficiente para sua plena assimilação. Se o retrocesso, na memória, alcançar os anos 40, por exemplo, poderá parecer a alguns que se trata de outro mundo.
Anos 40, século 20, viver em cidade pequena era uma experiência marcada por simplicidade, forte conexão comunitária e hábitos que, hoje, parecem fora de propósito. Comparado com o mundo contemporâneo, aquele período era regido por um ritmo mais lento e por práticas que refletiam a escassez de recursos tecnológicos e as particularidades econômicas e sociais da época. Ainda longe da era digital, a comunicação se mostrava como verdadeiro exercício de paciência. Conversas realizavam-se, predominantemente, de forma presencial, e, o único recurso tecnológico, na comunicação pessoa a pessoa, era o telefone de mesa que, diga-se de passagem, era restrito a pequena minoria; a grande maioria havia que entrar em fila nos postos de telefone público. Às vezes, uma ligação demora horas, para se completar; quando se conseguia. Afora o difícil telefone, a comunicação pessoa a pessoa era feita por carta. Além de jornais e revistas, de circulação regular, o noticiário contava com o rádio, mas este ainda não alcançava a todos; preço proibitivo a grande parcela da população e falta de energia elétrica, em grande parte do interior do país. Ainda não havia o rádio a pilha, outra razão para o rádio não ser acessível a mais pessoas, nos anos 40.
Adquirir roupa pronta, em loja especializada, era o que não se fazia, naquela época. Floresciam, então, o comércio de tecidos e profissões como alfaiate, modistas e costureiras, que cuidavam da confecção de roupas, sob medida e ao gosto da clientela. No tocante ao pisante, já havia lojas de calçados, porém, Cachoeira do Campo apresentava uma peculiaridade. Como terra de profissionais, na transformação couro bovino, com o qual se fabricavam todos artefatos e acessórios para montaria e tropa de carga, Cachoeira oferecia várias oficinas de conserto de sapatos. Tais oficinas, além de consertar, também fabricavam sapatos sob encomenda.
O setor de alimentos era mais crítico, quando ainda não havia o supermercado, no qual o consumidor exerce seu direito de escolha. No empório, armazém ou vendinha, além de quase não ter opções, o consumidor era dependente da ética, honestidade, boa vontade e humor de quem o atendia no balcão. Ao consumidor, muitas vezes, ter o dinheiro não era garantia de satisfação na aquisição do produto, se não contasse com a parceria do outro lado do balcão. Ainda sem o Código de Defesa do Consumidor e sem o PROCON, o consumidor havia que ter personalidade e ser firme na defesa de seus direitos, se não quisesse levar gato por lebre. Tudo era vendido a granel e embalagem era feita na hora. Apresentação e qualidade dos cereais eram sofríveis; nada de ir, do pacote, direto para a panela, pois todo tipo de impureza havia que ser removido do conteúdo. O feijão, além de campeão de impurezas, incluindo-se terra, raramente era de boa qualidade. Quanto ao arroz, havia até uma brincadeira, dirigida à pessoa na cozinha, encarregada de escolhê-lo. Para facilitar o trabalho, recomendava-se cantar ou assoviar “Cisne Branco (Canção do Marinheiro). Ao ouvir a música, todos os grãos de arroz marinheiro se apresariam perfilados, à parte. Arroz marinheiro era o arroz com casca, que tornava a escolha do arroz mais cansativa de que a escolha do feijão. Preparar o alimento c cozê-lo eram tarefas, que muito exigiam; parte desse esforço já citado nos casos do arroz e do feijão. O gás de cozinha ainda não era conhecido das donas-de-casa e o que tocava o fogão era a lenha; tudo bem quando a lenha era de boa qualidade e bem seca; quando de má qualidade, úmida ou meio verde, até parecia que, naquele dia, o diabo não queria que houvesse comida naquela casa!