Por Nylton Gomes Batista
“Jeitinho brasileiro” é marca registrada da malandragem tupiniquim, desenvolvida ao longo dos anos, desde que aqui aportou a esquadra de Cabral, cuja viagem às Índias não passou de um jeitinho de escapar às críticas, caso não se confirmasse a suspeita da existência de terras um tanto afastadas da África. Para tão bons navegadores, o desvio de rota foi grande demais, para ser debitado à alegada calmaria, mas, não havendo opinião pública formada sobre o assunto, naquela época, a lorota contada colou bem. “Coincidentemente”, Cabral levava passageiros que, aqui, podiam desembarcar e desembarcaram para ficar!
Já se vê que o “jeitinho” veio junto com os descobridores, mas aqui cresceu, tomou corpo e formou o lado desavergonhado da cultura nacional. Com tal jeitinho, contornam-se regras e regulamentos para obter vantagens pessoais. Embora, à primeira vista, possa parecer inofensivo, esse comportamento tem implicações profundas na formação ética e política de um povo. A coisa é tão arraigada que, na maioria das vezes, nem se percebe que se “dá o nó” ou se aplica o “golpe do joão-sem-braço” em prejuízo de alguém. Furar fila, estacionar em locais proibidos, não devolver troco recebido a mais, são exemplos mais corriqueiros, mas existe muito mais. Hoje, nem tanto porque há senhas para atendimento nas agências bancárias, mas no tempo das filas simples, havia caras-de-pau a procurar, na fila, alguém a quem quase ordenava a fazer um serviço para si; e o pior é que poucos entendiam tal comportamento como “operação fura-fila”, aceitando e consentindo aquela malandragem. Ainda na categoria “fura fila”, curiosamente, há caso com cobertura dita legal, porém injusta e pouca gente percebe.
Prioridade a idosos e casos especiais não deveria ir além do retardamento ou prolongamento da espera, como é, por exemplo na fila do banco, onde o serviço final não é passível de se esgotar. Na fila da bilheteria para viagem, na fila do cinema, na fila do teatro, a prioridade não pode ser concedida sem o risco de o serviço se esgotar para outra pessoa na fila. Entretanto, já vi isso em prática, havendo até cartaz com orientação aos idosos, que não precisariam entrar na fila.
É justo o “prioritário” entrar na frente, comprar a última passagem para viagem, o último bilhete de entrada para o cinema ou para o teatro, em prejuízo de alguém a aguardar na fila? Quem acha justo é partidário do “fura-filas”.
Há tretas diversa, a resvalar para o crime, com o objetivo de não pagar por alguma coisa. No ramo de restaurantes há o manjado golpe da mosca. Celebridade do meio artístico, certa vez, relatou na televisão como ele “descolava” comida de graça, quando ainda era um zé ninguém. Quase ao terminar a refeição, lançava no prato uma mosca, que já trazia consigo, e chamava o garçom; este, para evitar escândalo e prejuízo à imagem do estabelecimento, dispensava-o de pagar a conta. Note-se, neste caso, que a pessoa se jacta de haver se alimentado, enganando o dono do restaurante e não vê que a coisa chega a ser crime; crime de furto; sob configuração de malandragem, mas não deixa de ser furto. E, por ser furto é que, de Espanha, vem a notícia da prisão de um espertalhão, que já havia dado esse em golpe em, pelo menos, vinte restaurantes. Ele não usava mosca ou qualquer material, na comida, mas fazia pior, pois se valia da própria saúde, aparentemente boa, para não pagar a conta. É simplesmente chocante e revoltante o comportamento de pessoas saudáveis, dotadas de recursos, mas que se valem de ardis para não pagar a comida que consomem. O espanhol simulava um ataque cardíaco, o que mobilizava o pessoal do restaurante e serviço médico em seu socorro, daí resultando, no fim, a não cobrança da conta.
A prevalência do “jeitinho brasileiro” tem consequências danosas à ética do povo. Ao contornar as regras para obter vantagens pessoais, cria-se uma mentalidade de que o fim justifica os meios, e. isso leva ao desrespeito generalizado às leis e regulamentos, corroendo a confiança nas instituições e na sociedade como um todo.