Imagem: Marcos Delamore
Por: Amanda de Paula Almeida, Marcos Delamore e Victória Oliveira
O Movimento Indicações Geográficas de Minas Gerais (IGMG) irá registrar as primeiras Indicações Geográficas (IGs) da Região dos Inconfidentes aos produtos típicos dos distritos de Cachoeira do Campo, em Ouro Preto, e Bento Rodrigues, em Mariana. A Geleia de Pimenta Biquinho, de Bento Rodrigues, e a Jabuticaba e seus derivados, de Cachoeira do Campo, foram reconhecidas pela tradição, qualidade e a relação com o território de origem.
A apresentação e o anúncio da valorização das IGs da região aconteceram durante um evento, em Ouro Preto, nesta quarta-feira (12). O encontro promoveu um momento de degustação dos produtos indicados e homenagens aos produtores, autoridades municipais e estaduais, e empresários. A estratégia é uma forma de fortalecer a identidade mineira e impulsionar a economia regional.
As Indicações Geográficas
As Indicações Geográficas são registros conferidos a produtos ou serviços únicos, em que a reputação e a qualidade estão relacionadas às condições do solo e vegetação e à influência dos elementos do meio ambiente e de ações humanas. A certificação é dividida em duas modalidades, no Brasil: Indicação de Procedência (IP) e Denominação de Origem (DO), que destacam a notoriedade e a tradição na produção do bem mercadológico, e o vínculo do aspecto de qualidade do produto com as características naturais e humanas do território, respectivamente.
O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) registrou 129 indicações no país. Dessas, 24 estão em solo mineiro. A Jabuticaba e seus derivados, de Cachoeira do Campo, tradicionalmente conhecida por “O Ouro Preto de Minas”, mantém viva a tradição singular e secular, e a economia da localidade. A Geleia de Pimenta Biquinho, de Bento Rodrigues, tem “o sabor de corações fortes” e é um símbolo de resistência e reconstrução de uma área rica em sabores e saberes culturais e artesanais.
O Diretor da Federaminas, Amarildo Pereira de Souza, destacou a importância do reconhecimento das IGs para o fomento e a promoção da história dos municípios. “É um trabalho que está só começando e, se for bem-feito, pode se tornar uma referência da nossa região”, declarou.
As IGs fortalecem a economia local, protegem os saberes tradicionais e valorizam os produtores, além de atestar a autenticidade e o padrão de qualidade desses produtos. As indicações potencializam impactos econômicos, sociais e culturais para as comunidades, como o desenvolvimento local e territorial, preservação da cultura, a geração de emprego e a valorização dos produtos.
O Movimento IGMG
O Movimento Indicações Geográficas de Minas Gerais nasceu a partir de uma iniciativa estratégica do 2º Fórum Regional de Diversificação Econômica (FRDE), que promove o desenvolvimento sustentável e a diminuição da dependência econômica de setores primários, como a mineração. Em 2025, uma nova edição municipal do fórum acontecerá na cidade de Ouro Preto.
A ação tem como objetivo a valorização dos produtos regionais e possibilitar a diversificação econômica em áreas historicamente dependentes da mineração. Além disso, busca transformar os saberes e fazeres locais em ativos estratégicos e consolidar a identidade cultural, histórica e geográfica de Minas Gerais.
Anselmo Buss Júnior, diretor do Instituto de Inovação e Tecnologias Sustentáveis (Inovates), comentou sobre o diagnóstico feito para a identificação do potencial dos produtos selecionados. “São os dois primeiros projetos da Região dos Inconfidentes. Após a apresentação da ferramenta, no 2º Fórum de Diversificação Econômica, a Samarco anunciou, no terceiro fórum, que iria apoiar duas iniciativas dos municípios de maior atuação: Ouro Preto e Mariana. Identificamos, entre tantas outras, o potencial da Jabuticaba e seus derivados, de Cachoeira do Campo, e a Geleia de Pimenta Biquinho, de Bento Rodrigues”, afirmou.
O prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo (PV), comemorou a valorização das Indicações Geográficas para a economia da Região dos Inconfidentes. “É um momento histórico! Estamos reconhecendo dois produtos naturais e típicos de nossos municípios. Tanto a Jabuticaba, quanto a Pimenta Biquinho, incentivam a agricultura familiar e isso é muito importante para a diversificação econômica”, expôs Angelo.
O Subsecretário de Liberdade Econômica e Empreendedorismo de Minas Gerais, Rodrigo Melo, reforçou o reconhecimento e o protagonismo dos produtores rurais para o Estado. “É para isso que nós estamos aqui, para podermos ajudar as pessoas que produzem, que trabalham e que fazem acontecer em Minas Gerais”, mencionou.
Por meio dos selos, os produtores dos distritos de Cachoeira do Campo e de Bento Rodrigues terão proteção contra imitações, mais espaço no mercado e o fortalecimento de seus negócios e de suas comunidades, impulsionando o turismo de experiência e a economia das localidades históricas da Região dos Inconfidentes.
Jabuticaba e seus derivados, de Cachoeira do Campo
A jabuticaba já é, há muitos anos, uma joia para a Cachoeira do Campo. O distrito tem, inclusive, uma festa que celebra a fruta e seus derivados, a tradicional Festa da Jabuticaba. Em outubro, a rodovia principal, Avenida Pedro Aleixo, se enche de vendedores ambulantes com jabuticabas nos cestos ou garrafas, que oferecem a fruta aos que passam.
O Movimento IGMG calcula que a jabuticaba, em Cachoeira do Campo, é matéria-prima de pelo menos 16 produtos, como molhos, geleias, licores, sorvete, óleos essenciais e até preparos, como o tropeiro, por isso a indicação geográfica é referente ao uso da fruta na região, e não a uma única receita.
“É um fruto que dá duas vezes no ano no máximo e que perde muito rápido, então assim, a forma que a gente teve foi colher as frutas, selecionar e fazer os licores. Aí através desses licores a gente faz drinks, bombons, tem várias coisas e a gente também usa a mesma fruta para fazer geléias, a gente consegue aproveitar até a casca, várias coisas que a gente pode estar aproveitando, sem estar desperdiçando. Ela é rica pra nós, é o nosso ouro negro”, conta Welinária da Costa, que produz licores junto ao seu marido, Carlos da Costa.
Além disso, acredita-se que os produtores não se restrinjam à Cachoeira do Campo, mas também estejam em distritos e localidades vizinhas, como Glaura e Santo Antônio do Leite. Saulo Filardi, participante da Associação Sumo da Terra, contou que os produtos levados ao evento foram preparados em diferentes locais, como Cachoeira do Campo, Santo Antônio do Santo, de Amarantina, Maciel, São Bartolomeu, Acuruí, entre outros. Ele também comemorou a indicação e ressaltou a valorização da memória dos distritos: “Isso traz um fortalecimento não só do desenvolvimento econômico, mas também da história, da cultura, da tradição e de todas as histórias que nós temos aqui na região”.
Perguntado sobre o futuro da Festa da Jabuticaba, que chegará em 2025 em sua 33ª edição, realizada pelo Lions Club de Cachoeira do Campo com apoio da Prefeitura de Ouro Preto, o secretário de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Tecnologia de Ouro Preto, Felipe Guerra, disse que a comunidade pode esperar avanços: “A Festa da Jabuticaba é mais um produto gerado pela jabutica, e como Identidade geográfica, ela tende a ser mais visitada, com uma área gastronômica e de capacitação e também poderá ter grandes shows e atrações, unindo cultura e gastronomia, é um produto que eu tenho certeza que será incentivado”.
Geleia Pimenta Biquinho, de Bento Rodrigues
A “Geleia de Pimenta Biquinho”, produto emblemático feito com pimenta biquinho, é um símbolo cultural fruto do trabalho da Associação de Hortifrutigranjeiros (AHOBERO) de Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG). A geleia tornou-se o carro-chefe da associação em 2006, quando as produtoras, em parceria com a EMATER, começaram a testar receitas para aproveitar o excedente da pimenta biquinho em conserva. O resultado foi a criação da famosa geleia, que conquistou o paladar de muitos e se tornou um ícone da região.
Em 2015, o rompimento da barragem de Fundão devastou Bento Rodrigues, interrompendo a produção da geleia. No entanto, já em março de 2016, as mulheres responsáveis pela produção retomaram as atividades em uma cozinha no Bairro Colina, em Mariana. O retorno foi possível graças ao estoque de pimenta biquinho e aos equipamentos salvos da antiga fábrica, que não foi atingida pela lama. Desde então, a AHOBERO tem se mantido como um símbolo de resistência e preservação da cultura local.
Com o selo de Indicação Geográfica (IG), a expectativa é que a associação ganhe ainda mais força, estruturando o desenvolvimento comercial e ampliando o acesso ao mercado: “Tem que vender, né? O objetivo maior é acessar mercado, tanto para obter lucro, mas também para contar a história da associação, do território, do Brasil e, por que não, para o mundo”, destacou Tâmara Esteves, uma das produtoras da Geléia.
Guilherme Louzada, diretor de relações institucionais da Samarco, ressalta que o trabalho com as IGs vai além do aspecto econômico. Ele também está ligado à autoestima da comunidade. “Quando falamos de IG, falamos de orgulho. Estamos mostrando para nós mesmos e para o mundo que nossas coisas são boas, têm valor e qualidade. Esse trabalho é voltado para isso: para que possamos ter orgulho do que produzimos”, explicou.
Tâmara também celebrou o movimento da IG como uma oportunidade de fortalecer a identidade cultural e econômica da região, além de promover a história de resistência e superação das comunidades. “A IG não faz apenas pelo produto, mas também é um meio para divulgar outros trabalhos locais e alcançar um desenvolvimento mais amplo”, explicou Tâmara.
O selo, lançado na noite desta quarta-feira, reforça a identidade patrimonial da produção de Bento Rodrigues e é fruto da busca da AHOBERO por parcerias com diversas instituições. A expectativa é que, com o reconhecimento, a região ganhe visibilidade e novas oportunidades, consolidando-se como um exemplo de desenvolvimento territorial sustentável e inclusivo: “A iniciativa conta com o apoio de diversos parceiros, fundamentais para o sucesso do projeto. “É graças a esses parceiros que o trabalho está se desenvolvendo tão bem. Mas nada disso adiantará se, daqui a algum tempo, não vermos resultados concretos, como produtores ganhando dinheiro, contratando mais pessoas, melhorando a qualidade dos produtos e atraindo turismo. Esse é o foco: resultados”, ressaltou o representante da Samarco.
A produção da Geleia
A receita da geleia, um patrimônio de Bento Rodrigues, é guardada a sete chaves pelas produtoras. Sabe-se, porém, que o processo começa com a limpeza de laranjas e limões, que são espremidos para extrair o suco. Em seguida, a pimenta biquinho é processada e misturada ao suco, ao açúcar e levada ao fogo por cerca de 50 minutos. Apesar de a fábrica da geleia ter sido poupada pelo rompimento da barragem, a plantação de pimenta biquinho foi totalmente soterrada pela lama. Hoje, a AHOBERO é um símbolo de resistência e manutenção da cultura e tradição de Bento Rodrigues, graças ao empenho em continuar a produção mesmo após a tragédia.