Desde o dia 25 de maio, quando policiais norte-americanos assassinaram George Floyd , milhares de pessoas saíram às ruas nos Estados Unidos para protestar contra o racismo. Menos de uma semana depois, os protestos, que já atingiam praticamente todo o território norte-americano, chegaram também à Europa, e, em 7 de junho, desembarcaram no Brasil, com manifestações realizadas em várias capitais.
Observando as manifestações, há um ponto em comum em todas elas: a grande participação de pessoas não negras. Este acontecimento constrói um discurso coletivo e demonstra uma importantíssima quebra de barreiras entre cidadãos que, por séculos, foram colocadas em lados opostos pelo racismo incrustado nas instituições, nos costumes e na cultura dominante.
Essa participação ativa das mais diversas etnias nos protestos, demonstra que a luta contra o racismo é hoje uma bandeira que começa a ser empunhada por toda a sociedade e não apenas por quem sofre as ações de discriminação. É, portanto, um enorme avanço no reconhecimento do povo negro e na construção de uma sociedade mais justa.
Mas, aparte a chama da mudança iniciada com os protestos pelo assassinato de um negro norte-americano, é preciso compreender que a morte de George Floyd e de João Pedro – a criança assassinada por policiais no Rio, exatamente uma semana antes – são expressões de um mesmo fenômeno. E infelizmente, muitos dos que hoje se indignam, legitima e verdadeiramente por Floyd, não se sensibilizaram com a morte de João Pedro, com a do menino Igor, em Ouro Preto, e de inúmeros outros negros massacrados pelos sistemas político, financeiro, policial e legal brasileiro.
Talvez porque o extermínio dos negros no Brasil seja algo tão constante. Talvez fosse necessária uma mobilização social ampla para que muitos se posicionassem. Mas o fato é que, ao que parece, no imaginário coletivo brasileiro, as mortes de Floyd e João Pedro geraram sentidos complementares, mas diferentes.
O fenômeno iniciado por Floyd, talvez por ter acorrido longe da realidade brasileira, parece sensibilizar pessoas para a necessidade de uma ação individual de percepção de igualdade. Uma ação emotiva de aceitar pessoalmente o que é diferente de si mesmo. Algo que transita pelo campo da tolerância e que é importantíssimo.
Mas a morte de João Pedro nos remete a algo mais profundo e transformador. A percepção de que não é apenas no ambiente cotidiano e nas relações pessoais que se dá o racismo. Ele está firmemente inserido no campo das instituições, das ações governamentais, na opressão e no massacre real acometido todos os dias contra as pessoas negras.
E é esse enfrentamento ao racismo que deve pautar a grande transformação social que desejamos e pela qual devemos lutar. Uma transformação que hoje, certamente, começa a ficar mais forte, mas que ainda deverá ser potencializada com ações de maior afirmação e com a população preta e parda tendo a oportunidade de ocupar diferentes espaços de poder.
Não basta não ser racista. É preciso combater o racismo!
Membro-fundador do Coletivo Outro Preto*