Beatriz Neta já se considera Marianense de coração. Imagem: Amanda de Paula Almeida
Por: Amanda de Paula Almeida
Beatriz Neta (39) é natural de Santo Antônio do Grama, uma pequena cidade próxima a Rio Casca. No entanto, já há 19 anos ela fixou residência na Primaz de Minas. Em Mariana, Beatriz formou-se em Letras pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e, pela mesma instituição, se qualificou mestre. Tornou-se professora concursada do estado e leciona no Colégio Dom Silvério. Casou-se, teve dois filhos marianenses, está para se tornar doutora na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e, entre outras realizações, lançou seu primeiro livro, Crônica da Vida Editada, neste ano.
A vida de Beatriz
Aos 20 anos, quando se mudou para Mariana, Beatriz veio especialmente para estudar Letras na UFOP. Quando chegou na cidade, somente com uma mochila, se encantou pela Praça Minas Gerais: “Fiquei tão maravilhada com aquele cenário e a cidade é tão bonita que eu gostei tanto, que eu fiquei e moro aqui há 19 anos. Como eu falei, meus filhos nasceram aqui, tenho dois filhos gaveteirinhos”.
Morou 12 anos em uma república chamada “Beijinho” que ficava na Rua Dom Silvério. O nome do sacerdote, professor, poeta, biógrafo, orador sacro e arcebispo de Mariana é uma das coincidências da vida de Beatriz:
“Eu tenho uma história muito bonita com o Dom Silverio. Eu morei na rua dele, a escola que eu trabalho chama Dom Silvério, eu fiz uma homenagem para ele em 2022 em um projeto chamado “Escola Tem História”, para que todo mundo do colégio conhecesse a história dele, que é muito bonita. E hoje fui lá na Casa de Cultura, a biblioteca chama Dom Silvério. Eu falo que ele é alguém que me inspira”.
Inicialmente, para se sustentar na cidade, Beatriz trabalhou por seis meses em uma floricultura. Entretanto, logo percebeu que não levava jeito para o comércio. Começou, então, a atuar como bolsista na Biblioteca do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), lá ficou durante toda sua graduação e teve a oportunidade de reformar mais 300 livros, unindo seu ofício à paixão pela literatura.
Depois de formada, Beatriz conta entre risos que tinha medo de dar aula, ficou um ano enrolando para não encarar a sala de aula até que o dinheiro ficou apertado e decidiu encarar o receio e dar aula em Furquim, distrito de Mariana.
“Eu peguei aula lá à noite. E o engraçado é que eu peguei aula e, por exemplo, fui à designação hoje à noite e hoje mesmo eu tinha que começar. Aí eu fiquei lá: “Minha Nossa Senhora, o que eu tô fazendo aqui”? Como é que eu vou dar aula agora?”. Mas fingi normalidade, fingi que não era meu primeiro dia e fui. Aí no outro dia eu respirei fundo e voltei”.
Um dos seus lugares preferidos para escrever é o Jardim de Mariana. Imagem: Amanda de Paula Almeida
A paixão pela escrita
Beatriz sempre gostou de escrever, principalmente à mão. Porém, durante a pandemia se aprofundou ainda mais nesta paixão, colecionou diários em que escrevia sobre tudo que sentia. Quando a pandemia acabou, sentiu ainda mais necessidade de escrever, porém com a vida corrida já não tinha mais tempo para se dedicar ao trabalho manual.
“Então eu instalei um aplicativo de texto no meu celular e comecei a escrever no celular. Falei: “Eu preciso tanto escrever que tem que ser do jeito que dá”. Comecei a escrever as minhas histórias no celular e aí eu falo sobre a minha visão das coisas e esses textos que eu escrevi no celular, de vez em quando, me dava vontade de publicar no Instagram. Só que eu era muito tímida para isso, mas mesmo assim eu ia lá e publicava. E as pessoas começaram a gostar”.
Mesmo com a aprovação alheia, Beatriz ainda precisou de mais tempo para assumir sua paixão pela escrita publicamente. Depois de um tempo trabalhando o que sentia na terapia, finalmente foi capaz de assumir seu dom e começou de vez a colocar suas palavras no mundo.
“Eu sempre li muito, mas só ler não estava mais adiantando. Eu também queria ter minhas próprias palavras. E aí, foi em um dia assim de outono, como agora, uma tarde, que eu falei assim: Eu quero publicar um livro e eu vou. E aí, quando eu ponho isso na cabeça, quando eu falo que vou fazer uma coisa, aí acabou. A partir daquele momento, eu comecei correr atrás de entender como é que se publica um livro, qual é o custo disso. Isso tem mais ou menos um ano., foi no outono do ano passado”
As crônicas da vida editada
Com a decisão, há um ano, de lançar oficialmente seu livro, “Crônicas da vida editada”, Beatriz iniciou pesquisas para entender os custos e a melhor forma de publicar sua obra. A arte da capa foi de sua autoria, e o lançamento do livro foi patrocinado pela Lavanderia Todo Dia, empreendimento que ela administra junto ao marido. A editora responsável foi a Aldrava Letras e Artes, vinculada à Academia Marianense de Letras.
“O livro surgiu assim, do meu gosto pela escrita e das histórias do nosso dia a dia aqui em Mariana, mas também não só daqui, eu falo muito também dos sentimentos humanos, sabe?”
Durante o processo de escrita do livro, Beatriz precisou se afastar do pensamento linguista de escrever em um português erudito. A autora acredita que é necessário adequação ao contexto e no livro ela precisou escrever da forma que mais se sentia representada e confiante.
“Eu faço uma tese, quer coisa mais formal e endurecida do que aquilo? E nesse livro é como se fosse a minha fuga. Eu sei escrever de uma maneira bem formal, mas eu também sei escrever do jeito que eu sou, porque a língua é nossa, com os nossos erros, nossos acertos. Então foi isso que eu quis mostrar no livro, que era para ser uma leitura prazerosa”.
Para Beatriz, o processo de escrever o livro foi uma jornada de autodescoberta. Sua escrita, identificada pela cronista e membro da Academia Marianense de Letras, Andreia Donadon Leal, pelas “pitadas de humor e confidências no ritmo de um diário-crônico de vivências”, trata-se de um estilo conquistado por Beatriz sem esforços. Apesar de dominar a técnica, a autora escrevia o que sentia e sentia o que escrevia.
“Eu me vejo, me vejo muito mais confiante de mim, de quem eu sou e de que eu tenho o que falar, o que colocar no mundo e que isso é um direito e, às vezes, acho que um dever. Do que adianta a gente saber só para gente? Então, é como se fosse um chamado: coloca aí para o mundo aquilo que você sabe fazer, aquilo que você gosta. É como se fosse uma dádiva mesmo”.
Em relação à opinião do público, que teve acesso ao lançamento oficial do durante a 2ª Feira Literária de Mariana, no último sábado (12), Beatriz se diz confiante, acredita que o livro lhe deu mais coragem e segurança sobre si mesmo.
“É uma sensação de colocar um filho no mundo. É seu, você tem essa responsabilidade de ter criado, de ter colocado no mundo, mas ele é do mundo agora. E assim, cada um vai interpretar de acordo com a sua visão de mundo, né? Eu não tenho mais controle do que vão achar e agora cada um vai se identificar ou não, vai gostar ou não, então assim, está no mundo”.
Próximos passos
No dia 7 de maio deste ano, Beatriz estará na Bienal Mineira para lançar o livro novamente. Além do evento, a autora afirma que continuará escrevendo e que pretende focar nas crônicas por um tempo.
“Então, com certeza eu vou continuar escrevendo e eu ainda tenho que me descobrir. Por enquanto a crônica é o que eu gosto de escrever”.
Por fim, a autora aconselha a todos que gostam de escrever, que se dediquem à sua paixão e que usem isso como acolhimento e refúgio.
“O meu conselho é: só vai. Se a gente pensa demais, a gente não faz nada. E assim, quando eu falo só vai, é aquela, se é uma coisa que você gosta, ela dá um jeito de brotar. Continua fazendo, porque quando você não tá fazendo com uma intenção, você tá fazendo por prazer. Aquilo ali é até um refúgio, né? Pra mim foi aquela hora que eu não estava conseguindo escrever uma tese, eu queria ficar aqui escrevendo sobre a borboleta que passou voando ali”.
A obra reúne 24 crônicas. Imagem: Acervo pessoal/ Beatriz Neta