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Professor do IFMG, acusado de assédio, pode retomar atividades acadêmicas

Professor do IFMG, acusado de assédio, pode retomar atividades acadêmicas

Nova denúncia foi registrada contra o docente

A denúncia de assédio de um professor contra uma aluna do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG) campus Ouro Preto, ocorrida em setembro do ano passado, teve seu desdobramento no início deste ano com a possibilidade da volta do docente às atividades acadêmicas. O processo administrativo disciplinar (PAD) instaurado na época teve como penalidade o afastamento do professor acusado, Cássio Vidigal, por três meses. A provável reintegração do servidor causa medo e indignação à denunciante, Talia Rodrigues Epifânio, e também aos apoiadores da causa.

O caso aconteceu em setembro do ano passado quando a aluna Talia, de 19 anos, resolveu denunciar o professor de matemática, Cássio Vidigal, por assédio ocorrido dentro da instituição. Foi instauranda então, um PAD pelo instituto para apurar os fatos e o professor foi afastado imediatamente. A comissão que avaliou o processo foi formada por três membros de institutos federais de Minas, sendo dois homens e uma mulher. Talia esclarece que não foram anexadas todas as provas ao processo. “O IFMG quer abafar o caso, pois não utilizaram as provas mais concretas, que são as imagens de vídeo do corredor, onde mostra ele me tocando, dando um tapa na minha bunda”, enfatiza a vítima. Como o PAD é sigiloso, apenas as partes envolvidas tiveram acesso. O processo foi encerrado em janeiro, com o afastamento do professor por três meses, sem remuneração. Cássio pode voltar às atividades acadêmicas ainda este mês, o que gera medo e repulsa em Talia. “Estou indignada com o resultado do PAD, pois esperava que uma punição realmente acontecesse. Há também o processo penal, que está em andamento no Fórum, mas a gente sabe que demora. As aulas estão para voltar e eu estudarei a noite. Qual segurança eu tenho de que ele não irá tentar terminar o que começou ou até mesmo se vingar por eu o ter denunciado?”, questiona receosa a aluna, que garante que irá retomar o processo. Ela ainda diz que uma amiga, também vítima de assédio pelo professor, registrou uma denúncia em abril. Ela não quis dar entrevista.

Vidigal, na época, postou uma mensagem no grupo de uma rede social da instituição admitindo o fato e pedindo desculpas. “Realmente cometi o ato abominável do qual estão me acusando. Não sei em que nível estão as acusações, mas realmente cometi algo que não é digno do ser humano e o propósito deste post é pedir desculpas a todos por este constrangimento. Já liguei para aluna e o fiz também diretamente”, afirmou em depoimento, que ainda mencionou que iria procurar ajuda, alegando que precisava se tratar.

A reportagem do jornal O LIBERAL tentou contato com o professor, mas até o fechamento desta edição, nenhuma resposta foi enviada.

É preciso denunciar

A atitude de Talia abriu portas para que outras estudantes também falassem de casos de assédio sofridos não só na instituição, como também fora dela. “Em qualquer circunstância, é uma situação muito grave. Eu acompanho outros casos, e inclusive depois que a Talia resolveu falar, vieram a tona assédios até mesmo de relações familiares. Não é fácil, mas é preciso ter coragem de chegar e relatar, pois procurar ajuda é fundamental. Muitas vezes a vítima se sente envergonhada, culpada, inadequada, e até mesmo impotente”, retrata a psicóloga da instituição, Gisele Baeta Neves, que acompanha Talia desde a denúncia. “Eu sofro as consequências disso até hoje, pois preciso lutar contra uma instituição gigante. Infelizmente a luta da mulher, pelos seus direitos e pelo seu lugar é muito difícil. Somos vistas como objetos”, desabafa a estudante. “Eu posso tentar viver da melhor forma possível com essa dor, mas ela é eterna. Vivo com medo e agora com mais medo ainda. Mas a única pessoa que pode mudar essa realidade, somos nós mulheres, quando denunciamos”, complementa.

Consequências do assédio sexual

De acordo com Gisele, o assédio pode deixar marcas profundas e até mesmo irreversíveis dependendo da situação e da personalidade da vítima, afetando diversos aspectos da vida pessoal, principalmente nos relacionamentos. “As questões que mais nos preocupam é a ansiedade extrema, o pânico, os episódios depressivos, podendo levar á depressão, e por vezes inclusive, pensamentos suicidas”, pontua a psicóloga.

Complexidade do caso Talia

“O assédio ter acontecido com um professor é ainda mais grave”, de acordo com a psicóloga, pois “o docente usufrui do benefício de estar num cargo de consideração para obter benefícios das vítimas. A situação é mais complexa ainda, pois existe uma relação hierárquica e as pessoas, às vezes, idolatram aquele professor, respeitam, admiram. Ele se faz de amigo, e de repente meio que embola o pensamento da pessoa”, descreve Gisele.

“O Cássio não demonstrava nenhum tipo de medo, pois ele usava a imagem de professor, o lugar que ele ocupava, para intimidar. Ele fez isso diversas vezes e vai continuar fazendo, pois não houve punição. Isso, sem contar que o resultado do processo abre precedentes para outros professores agirem da mesma forma, pois a instituição parece apoiar”, lamenta Talia.

Atitudes de apoio

Uma mobilização na internet promove um abaixo assinado para que o processo seja revisto e o professor seja demitido. Com o lema “Fora Vidigal! Mexeu com uma, mexeu com todas”, o abaixo assinado online pretende recolher cinco mil assinaturas até o dia 25 de maio. O documento, que já conta com mais de quatro mil assinaturas, será apresentado à direção do campus.

Logo após a denúncia da estudante, um grupo de oito professores da instituição se uniu para discutir práticas educacionais e pedagógicas como forma de orientar e mobilizar a comunidade acadêmica para pensar a questão do machismo, da “cultura do estupro” e de todos os problemas relacionados à violência de gênero. “O que aconteceu com a Talia não é um fato isolado, é apenas a ponta do iceberg. Resolvemos, como educadores, discutir a questão e planejar alguma ação de alerta e incentivar as denúncias”, explica a docente de filosofia do instituto, Venúncia Coelho.

O grupo está organizando a I Jornada Contra a Violência de Gênero do IFMG. O evento acontece nos dias 7 e 8 de junho e irá reunir movimentos feministas da cidade e da capital, autoridades e pessoas que atuam em defesa dos direitos da mulher.

O instituto

Questionado pela reportagem do jornal O LIBERAL, o instituto alegou que como Instituição Pública não cabe assumir qualquer posição a respeito do caso. Sobre o processo e a possível revisão do mesmo, o IFMG garante que não ocorrerá e que a “comissão responsável por conduzir o processo administrativo disciplinar concluiu os trabalhos de acordo com a lei e aplicou a punição. Não cabe ao Instituto emitir opinião sobre o trabalho da Comissão e a punição aplicada”. A instituição ainda afirmou que, por hora, o professor não retomará às atividades.

Por último, o IFMG ressalva que o lhe compete restringe-se à infração administrativa. “O processo mencionado não esgota, no âmbito da Justiça, qualquer outro julgamento”.

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