Em meio ao debate político-eleitoral já em curso, uma indagação é fundamental e deve presidir as discussões: qual o futuro desejável para Ouro Preto daqui a dez anos? A pergunta encerra uma série de importantes questões. Na verdade, trata-se de uma discussão essencial, senão vital, para a velha cidade colonial, Patrimônio Cultural da Humanidade, ícone de toda a história da proteção ao patrimônio cultural brasileiro e que encontra-se em momento crucial quando completa 332 anos de existência, contados a partir da chegada do bandeirante Antônio dias em 1698. A esta indagação podem ser acrescentadas outras, correlatas e complementares, que ajudam a definir melhor o que é possível prever a partir de um exercício futurológico que hoje é plenamente exequível, e até desejável, em se tratando de uma cidade da importância de Ouro Preto. E que carece de um planejamento de maior longo prazo.
Nos nossos dias, quais as vocações e tendências que condicionam o futuro ouropretano? É possível desejar que se transforme em um destino turístico forte, cultural e de eventos, amparado numa cadeia econômica qualificada, trabalhando conforme modernos e concorrenciais padrões de qualidade? E grande geradora de trabalho, emprego e rendas? E será também um centro universitário, a julgar pela dimensão da UFOP, que se realizou sem avaliação da capacidade de acomodação urbana ou da disponibilidade de serviços públicos? E a mineração que se amplia extraordinariamente na região, que gera divisas mas agrava o ambiente? E como vão conviver moradores, que são muitos, estudantes e suas “repúblicas” localizadas no centro histórico e os turistas, em fluxo cada vez maior? E o que fazer com as periferias, a ocupação dos morros, com habitações pobres, que demandam maior apoio dos serviços públicos?
Tais questões refletem a perplexidade fundamental, neste momento em que Ouro Preto renova sua gestão municipal, em que o mundo entra em crise, da qual poderá surgir um novo ciclo econômico, em que o turismo interno vai crescer e em que se acumulam fatores de agravamento da infra-estrutura urbana: qual o elenco de medidas possíveis de ser encaminhadas desde já, bem elaboradas e realistas, que devem ser discutidas e gerar apoiadores nas diversas instâncias governamentais?
É claro que a cidade melhorou nos últimos anos. Mas persistem problemas, alguns crônicos e graves, como também urgentes, que poderiam estar perfeitamente resolvidos, com um pouco mais de determinação e empenho, como a oferta de água, o disciplinamento do trânsito, definição de áreas de estacionamento, melhor qualificação dos fluxos turísticos, normatização de algumas festas perigosas, como o Carnaval, melhor assistência aos distritos. Mas outras questões demandam visão de futuro, ousadia de encaminhamento, planejamento de médio e longo prazo e uma prefeitura ágil, com efetiva governabilidade, capaz de respostas rápidas.
A excepcionalidade da cidade tricentenária exige, fundamentalmente, de uma espécie de código geral de condutas e posturas, de que temos muitos exemplos em cidades do Brasil e do exterior. E que se aplique não só aos visitantes mas também aos moradores. O Plano Diretor pode ser o instrumento para esta normatização. Mas o fundamental é que haja rigorosa observação destas condutas e severa repreensão aos transgressores. A cidade e sua singularidade justificam o rigor e não há outro meio de se conseguir padrão civilizatório compatível com sua realidade. Fora disto, é correto e certo prever o caos, uma deplorável redução da qualidade da vida e do urbano. O fato é que Ouro Preto acha-se no limite, em vários momentos e ramos, da suportabilidade, conceito que a Organização Mundial de Turismo vem divulgando para todos os destinos, sem o que não haverá sustentabilidade e perenidade.
Ouro Preto preservou-se nos anos finais do Século XVIII com a exaustão do ouro. Permaneceu 100 anos em decadência e imobilismo até que o movimento republicano celebrou Tiradentes e os inconfidentes como heróis de um novo regime. Com a mudança da capital, em 1897, entrou em novo declínio que durou até a década de 60, com a Alcan e a expansão da mineração regional. Por isto, manteve sua fisionomia setecentista e esta condição a levou, pela pregação dos modernistas, que criaram o IPHAN em 1937, a ser o ícone de toda a campanha pela proteção dos monumentos culturais brasileiros. Sofreu a expansão urbana desordenada das últimas cinco décadas. Agora encontra-se em um novo limiar, uma encruzilhada: ou impõe a disciplina que a preserve e qualifique, ou caminha para o imprevisível. Manterá apenas um núcleo histórico, cercado de construções sem valor. Será uma outra Olinda. Uma triste e ruinosa Olinda, exemplo maior no Brasil de que um destino turístico não é infinito.
*Jornalista e escritor (mwerkema@uol.com.br)