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Carta aos Tempos
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O parto do menino Jesus e a situação obstétrica de Ouro Preto

Natal se aproximando e não posso deixar de lembrar dessa Mãe escolhida para parir um curador, um Mestre, um redentor e salvador….

Viajando no lombo do burro com a barriga pronta para parir, buscando em vão um lugar decente de descanso. Também imagino o peso da responsabilidade de José em ter que levar sua família em tão precária aventura ….

Ainda mais quando se aproximou o início das dores, as primeiras contrações da bendita parturiente! José deve ter buscado ajuda das mulheres que costumavam ajudar outras mulheres no seu trabalho de parto. E também, como bom companheiro, deve ter acompanhado de alguma forma esse nascimento…

As mulheres, parteiras, comadres e as que hoje chamamos doulas (do grego, ‘mulher que serve outra mulher’) sempre fizeram essa roda em volta da parturiente, no aconchego da sua casa, aldeia ou tribo….

Com o tempo, as parteiras, que eram guiadas pelas leis de Deus e da Natureza, conectadas a uma sabedoria ancestral, foram substituídas pelo médico, e depois por equipes professionais cujo saber se tornou restritamente acadêmico. A ciência e os homens fizeram uma nova roda, mais segura em termo de mortalidade infantil e materna, porém mais alheia às necessidades emocionais da parturiente: O marido não tinha mais seu lugar de companheirismo na hora das dores, nem as comadres, nem as doulas. O ambiente se fez mais tecnológico, mais frio, mais desconhecido em um momento de maior vulnerabilidade.

Enquanto Maria, como toda mulher hebreia, deve ter parido de joelhos, a nova parturiente se viu obrigada a parir deitada (posição supina), para o maior conforto da equipe médica e desconforto dela, contrariando a lei da gravidade para receber o seu bebê! Essa moda veio com o Roi Soleil (Rei Sol), Louis XIV que quis ver melhor o nascimento do seu herdeiro… Ninguém questionou e tampouco perguntou se a mulher se sentia a vontade. 

Quando cheguei a Ouro Preto, 27 anos atrás, com minha barriga quase pronta para parir, perguntei para as mulheres do vilarejo que me acolheu como havia sido o parto delas, a fim de ser iniciada aos mistérios do parto… Para meu espanto, quase todas essas mães tiveram o parto agendado, para cirurgia, ou seja, cesariana. Nunca havia presenciado aquilo em minhas andanças pelo mundo! Apesar de não falar português ainda, uma palavra me veio logo na mente: “especulação” em cima da coisa mais sagrada: dar à luz, parir… Uma grande tristeza ao ver o quanto as mães haviam sido enganadas com falsos pretextos de “falta de dilatação’ agendada! Alguns sabem que a intervenção cirúrgica paga melhor… Lamentável realidade que foi dessacralizando o sublime ato do nascimento natural. 

E como se não fosse suficiente, essa tamanha corrupção se acompanha há anos até o dia de hoje de violências obstétricas impensáveis: médico que empurra a barriga da gestante para acelerar o parto, manobra chamada kristeller, proibida no Brasil, que pode matar o bebê, humilhações, procedimentos dolorosos e invasivos feitos sem o consentimento da parturiente, intervenções medicamentosas e cirúrgicas desnecessárias e sem explicações, entre tantas outras formas de violência física, moral e psicológica…

O parto se tornando uma maldita sentença?

Uma outra vez, a menina de 17 anos me disse: “Só não entendi por que o médico me amarrou os braços na cama. Mas ele que é médico, ele que sabe”. A inocência dessa colega de aula da minha filha me fez chorar. Não tive como dizer que ela havia passado por violência obstétrica… E por aí vai… A lista é longa infelizmente. Mas pela primeira vez, há poucos dias, foi concedida uma audiência pública na Câmara de Ouro Preto para denunciar os abusos e apresentar possibilidades de legislações que visam melhorar a situação geral do atendimento às mulheres da cidade. Hoje Ouro Preto está a ponto de perder seus recursos para maternidade, à benefício de Mariana. Por que será?

Se todos os atores envolvidos na assistência ao parto, desde os médicos  às técnicas de enfermagem não reconsiderarem suas deploráveis atitudes em relação às gestantes, o Ouropretano irá criar raízes em Mariana, Itabirito, ou mesmo na maternidade Sofia Feldman em Belo Horizonte, onde eu mesma encaminhei várias mulheres ao longo desses anos por ser uma rara casa de parto humanizado, gratuita, respeitosa com a mãe e seu bebê, que foi acrescentando terapias integrativas como acupuntura e massagem durante o pré-natal…

Ouro Preto tem uma ótima equipe de doulas que foram se formando e zelando pelo carinho e assistência humanizada e que têm muito para ensinar sobre os cuidados com a mãe, na sua maior intimidade e vulnerabilidade. Chegou a hora dos acadêmicos e técnicos reaprenderem gestos simples de cuidados e carinhos para com as gestantes, com essas mesmas doulas, herdeiras e zeladoras de sabedoria ancestral. É hora delas serem consideradas, valorizadas e devidamente integradas com a equipe de assistência ao parto. A união faz a força. E é a força sábia que dá a luz… e não o braço pesado que empurra perigosamente a barriga de uma gestante! Toda mãe merece respeito. 

Durante anos me perguntei o que iria acontecer com essas novas gerações nascidas fora do padrão natural das leis de Deus e da Natureza: Michel Odent, obstetra francês e grande defensor da humanização do parto alertou sobre os altos índices de psicopatia decorrentes desses desvios do nascimento. E também deixou seu recado: “Para mudar o mundo é preciso mudar a forma de nascer”.

E para terminar com Maria, Mãe do menino Jesus, um dia, eu tive uma visão com Ela mostrando um bebê dormindo profundamente no útero de sua mãe, quando uma mão repentina o arrancou daquele sonho e o projetou para fora da barriga. Logo em seguida, Ela mostrou as cadeias cheias de jovens…. Pude entender o recado de Maria: Violência obstétrica gera violência social…. Tanto com a mulher, quanto com a criança. Ficou a dica. A segurança pública da cidade começa com uma profunda reforma do nascimento. 

Portanto cuidado com a semeadura para a colheita não ficar amarga.

Feliz Natal (nascimento) para todos!

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