Mauro Werkema
Transparência, rastreabilidade e fiscalização são procedimentos essenciais e absolutamente essenciais a qualquer atividade que empregue ou envolva o dinheiro público. Não é possível, portanto, que deputados e senadores queiram exorbitante parcela do orçamento da República com as emendas parlamentares quando, constitucionalmente, cabe ao Poder Executivo a missão de governar executando o orçamento público. Ocorre que o Poder Legislativo, empoderado por bancadas parlamentares que detém a maioria absoluta do Congresso Nacional, vem ampliando valores e criando novas emendas a ponto de já representarem R$ 52 bilhões a serem distribuídos pelos deputados e senadores.
A questão ganha o debate nacional em razão de decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu determinou o bloqueio da liberação das emendas até que sua tramitação e pagamento tenham regras que deem transparência na aplicação do dinheiro público. O governo e lideranças parlamentares passaram a semana discutindo um acordo que possa indicar soluções, garantindo transparência. A situação tornou-se grave e absurda quando os parlamentares criaram novas emendas individuais, apelidadas de “emendas Pix”, incluídas no Orçamento da República, com a destinação de R$ 25 bilhões, em 2024, a critério absoluto dos autores, sem transparência, sem finalidade declarada e sem ter que prestar contas. E ainda as chamadas “emendas do relator”, estimadas em R$ 9,5 bilhões, de resto a pagar ainda de 2023.
É importante lembra que os parlamentares já contam com R$ 36 bilhões de emendas individuais, reconhecidas e previstas no Orçamento, e também com mais R$ 15 bilhões de emendas de bancadas e de comissões. E os próprios parlamentares decretam que as emendas chamadas de “Pix” e as de bancadas são impositivas, ou seja, de execução obrigatória. E não há exemplo, em todo o mundo, de tais normas ou condutas, tratando-se, portanto, de práticas criadas pelo Parlamento brasileiro.
O Supremo Tribunal, por maioria, referendou a posição do ministro Flávio Dino e a questão suscita um exame criterioso e restaurador da moralidade pública. A verdade é que o Congresso, empoderado pela maioria oposicionista ao governo, com bancadas atuantes em defesa de interesses de classes, aproveita-se da fragilidade parlamentar do governo para impor privilégios e ganhos, especialmente em ano eleitoral, de renovação de prefeitos e vereadores. O Congresso hoje, em quase todos os seus atos, se comporta pelos interesses. Bastar citar a atuação das bancadas da “bala”, do agronegócio, dos evangélicos, entre outras, em que o clássico “fisiologismo” impera.
E o Brasil, carente de muitos investimentos, obras públicas, ações básicas da saúde e da educação e de amparo aos segmentos mais pobres, fica submetido a esta nova realidade parlamentar. É preciso reconhecer que as tradicionais emendas parlamentares são direitos dos parlamentares, mas não as chamadas “impositivas”, criações recentes. A ação do Supremo Tribunal é oportuna e necessária e deve ser reconhecida e obedecida, apesar da pressão dos parlamentares, obrigando o presidente da República a um diálogo difícil para um governo que não tem maioria no Congresso.
Pode-se até admitir que a ação dos parlamentares de enviar recursos para seus municípios pode tornar-se legítima e cívica. Mas é preciso transparência e que tenham também justificativas, mas não se tornarem apenas atos político-eleitorais, sem consulta ao interesse público. Impõe-se, portanto, o devido esclarecimento, à luz das normas legais, quanto à destinação e o bom emprego do dinheiro público.
Enfim, assistimos a mais um dos desvios político-parlamentares do Brasil atual. O chamado “governo de coalização”, expressão cunhada para justificar uma tentativa de um diálogo responsável, participativo e consequente entre os Poderes Executivo e Legislativo, gerou esta distorção abusiva da ampliação das emendas parlamentares, ao sabor do aguçado apetite dos deputados e senadores, nem sempre republicanos.
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