Há que se repetir a pergunta básica e fundamental: estes desabamentos, que se repetem a cada ano, com chuvas mais intensas, podem ser evitados?
Poderiam os órgãos públicos terem previsto desabamentos e ter tomado precauções que evitariam desastres? As opiniões divergem. Há os que afirmam que, tendo sido devida e antecipadamente previsto, por estudo geomorfológico competente, por especialistas, a maior parte de desastres podem ser evitados através de obras de contenção que a Engenharia hoje permite. Assim como outras medidas, relativas à intervenção humana destrutiva de estabilidades frágeis, poderiam evitar o desastre final. Comprovação disto é que em vários outros locais, e não só em cidades como Ouro Preto, que apresentam com riscos crônicos de desabamento, obras de contenção realizadas têm evitado desastres similares.
Mas há também a opinião de que a instabilidade dos morros, de maior aclividade, ocupados desordenadamente, é de difícil controle e que desastres são quase inevitáveis. Ouro Preto é um caso mais complexo por sua singular formação e uma ocupação territorial que permanece até hoje. Desde seu início, nos anos finais do Século XVII, quando ocorreu a ocupação veloz e desordenada dos pequenos patamares e de terrenos de perigosa aclividade, próprios da topografia do “grand cannyon” do Funil/Tripuí, que a situação vem se agravando. Ou, desde a busca aleatória do ouro de aluvião, iniciada há mais 300 anos, em território íngreme e inadequado para a construção de uma cidade, que Vila Rica nasce condenada a episódios anuais de desabamentos. À movimentação natural de terrenos geológica e estruturalmente instáveis, especialmente nas áreas formadas por um filito gravitoso impermeável, se junta a perigosa intervenção humana, removendo vegetações, movimentando terras e descalçando aclives, facilitando erosões, construindo em locais sem cuidar do escoamento de águas pluviais.
Ouro Preto dispõe de vários estudos geológicos feitos com rigor científico. Possui carta aerofotogramétrica desde a década de 1950. Dispõe de uma Carta Geotécnica, com indicação de áreas de risco, elaborada pelo geológico Edézio Teixeira, com clara orientação quanto a áreas de risco e que ainda orienta as ações da Prefeitura. Em 2004, três geólogos, Antônio Luiz Pinheiro, Frederico Sobreira e Milene Sabino Lana, da UFOP, apresentam a monografia ”Riscos geológicos da cidade histórica de Ouro Preto”. Revelam que 40% da cidade está em aclividade entre 25% e 40%. E que são inúmeras as “vertentes íngremes e os vales profundos” em meio ao tecido urbano. E descrevem os grandes desastres mais recentes, ocorridos nos anos de 1979, 1989, 1992, 1995 e 1997, todos com mortes e centenas de desabrigados. O geólogo Romero Cesar Gomes apresentou em 2019 passado estudo sobre áreas críticas, concluindo que existem hoje 5 mil pessoas em Ouro Preto em situação de risco. O Degeo (Departamento de Geologia) da UFOP, uma dos mais vem aparelhados do mundo, possui vários outros estudos sobre Ouro Preto.
Em 1979, choveu por 40 dias, com inúmeros desabamentos, ameaçando as Igrejas de São Francisco, São José e Mercês. Desabaram os cemitérios de São José e Mercês de Cima. Na rua Padre Rolim ocorreram vários acidentes. Desabou o morro atrás da Santa Casa, hoje protegida por obras de intervenção com implantação de patamares. A Vila São José foi particularmente atingida e pode-se ver, de longe, os cortes, patamares e canaletas de coleta d’água implantadas.
Montou-se equipe técnica nacional, com vários órgãos, sob liderança do IPHAN, que deixou relatórios minuciosos sobre as intervenções e com novas recomendações. Advertências foram feitas com relação às encostas da Padre Rolim, estudadas à época.
A verdade é que Vila Rica se implantou, de maneira espontânea, nas cursas de nível das encostas. Abriram-se os caminhos evitando as elevações mas estas acabaram descalçadas em processo que até hoje perdura, decorrente da intervenção humana. Outra verdade é que Ouro Preto nunca indicou ou preparou áreas para a opção de crescimento urbano, incontrolável e clandestino. Ao contrário, urbaniza como pode até em áreas de risco ou não recomendadas. Mas, como dizem os geólogos, a natureza retomada um dia sua conformação mais assentada. A questão é similar à poluição das calhas dos rios, que transbordam e inundam terrenos às suas margens, com suas águas represadas. Enfim, com os recursos de hoje, com o apoio que Ouro Preto naturalmente tem, por abrigar acervo histórico e artístico excepcional, mais uma vez é preciso dizer que as áreas de risco, conhecidas, precisam merecer atenção e intervenção especiais.
*Jornalista (mauro.werkema@gmail.com)