Mauro Werkema
No dia 2 de dezembro deste ano Minas Gerais completa 300 anos da criação da Capitania de Minas do Ouro, com autonomia administrativa, separada da Capitania de São Paulo, que integrava desde 1709. A criação da Capitania ocorre em meio a acontecimentos históricos que marcam os primórdios de Minas Gerais e que seriam lembrados com uma série de eventos, encontros, palestras e promoções, por várias entidades culturais e políticas do Estado. Infelizmente, a epidemia impediu estas comemorações que seriam uma oportunidade de lembrar fatos fundamentais da formação mineira e também uma avaliação crítica dos 300 anos de Minas Gerais, incluindo sua situação atual. É possível, e desejável, que a data ainda seja objeto de comemoração e lembranças, na esperança de que em dezembro a epidemia já tenha sido contida. Surge agora a proposta de estender as comemorações para 2021, sob o título de “Minas 300+1”, como algumas entidades já estão propondo. Cabe a Ouro Preto, Mariana e cidades históricas programar desde já alguma comemoração.
É importante lembrar que os fatos históricos que levam à Coroa Portuguesa a criar a Capitania e dar-lhe governo próprio, ocorreram na então Vila Rica e em Ribeirão do Carmo, hoje Mariana, integrantes das três primeiras vilas, junto com Sabará, criadas em 1711. E que foram sempre rebeldes à Coroa Portuguesa e à exploração da Colônia, especialmente o farto ouro, sem a justa retribuição. Desde os primeiros momentos ocorrem conflitos pelo domínio do território, situação que se agrava em 1717 quando o rei de Portugal, dom João V, nomeou Dom Pedro de Almeida Portugal e Vasconcelos, Conde Assumar, governador geral da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Assumar instala-se em Mariana e ocupa o casarão anexo à Igreja de São Francisco, conhecido como Palácio de Assumar, que começa a ser restaurado após anos de abandono. Assumar trazia como principal missão organizar e disciplinar a cobrança do quinto do ouro, o imposto que Portugal cobrava da Colônia e que teria que ser pago por todos os mineradores que realizavam a extração do ouro.
Os três séculos da História de Minas ensejam estudo e revisões históricas, desde a ocupação pioneira dos territórios interiores do Brasil-Colônia, os conflitos políticos e a rebeldia dos mineiros, a evolução econômica, social e cultural, as dificuldades ao pleno desenvolvimento até os nossos dias, as contribuições de Minas à nação brasileira. Como também seria importante para estudo sobre as dificuldades por que passa o Estado, embora com rica história e um cobiçado subsolo mineral que gerou a ocupação do seu território e lhe deu o nome. Minas originou-se da mineração e até hoje debate a presença desta atividade no Estado e seus aspectos econômicos, sociais e ambientais. Do Ciclo do Ouro, que se inicia nos anos finais do Século XVII, ao Ciclo do Minério de Ferro, hoje bastante discutível, Minas Gerais tem uma longa trajetória que merece estudo e reflexão. Importante ainda é discutir o futuro desejável e as grandes dificuldades por que passa no momento.
O Conde de Assumar encontrou forte resistência dos habitantes quanto à cobrança do imposto. Em 1720, rebelam os moradores de Ribeirão do Carmo (Mariana) e Vila Rica (Ouro Preto), que chegaram a ameaçar Assumar. Refugiado em Vila Rica, o governador armou sua reação, enfrentando o conflitos diversos. O principal deles vitimou Felipe dos Santos, português mas habitante de Minas, minerador e comerciante, que liderou levante. Preso em Cachoeira do Campo, foi executado com ordem de Assumar, transformando-se no primeiro mártir mineiro, morto em meio à luta por autonomia. Assumar teria também incendiado as encostas da Serra de Ouro Preto, onde trabalhavam e residiam centenas de mineradores, e que passou à história como “Morro da Queimada”.
Assumar mudou-se para Vila Rica onde instalou-se no Palácio Velho, de que hoje só restam alguns paredões em ruinas, em região que tem esse nome, próximo ao Bairro de Antônio Dias. O Palácio dos Governadores, hoje pertencente à Escola de Minas da UFOP, só foi construído a partir de 1747. Vila Rica tornou-se então a capital da Capitania e o Palácio da Praça Tiradentes sediou os governos mineiros, no regime colonial, até a Independência de 1822, no período imperial até a República proclamada em 1889, e até 1897, quando a capital mudou para Belo Horizonte.
Assumar procura explicar sua conduta, considerada excessiva, dizendo que se viu obrigado a “proceder sumariamente ao castigo”, como a execução de Felipe dos Santos e a prisão de outros sediosos, alguns ricos mineradores e proprietários na região. Em relato posterior, Assumar fornece informações importantes para a compreensão dos primórdios de Minas Gerais e a gestão colonial portuguesa nos seus primeiros anos e o esforço para estabelecer a administração colonial. E a constante rebeldia mineira, que ocorrerá por todo o Século XVIII, culminando com a Inconfidência Mineira, de 1789, que levou ao enforcamento de Tiradentes, em 1792, no Rio, e o degredo para a África dos inconfidentes.
No Alvará de 2 de dezembro de 1720, Dom João V cria a Capitania das Minas do Ouro, separando-a de São Paulo, com governo próprio e autonomia administrativa. É, portanto, data importante para Minas Gerais e especialmente para Ouro Preto e Mariana, que sediaram os acontecimentos que levaram à criação da Capitania. É adequado também sugerir que as comemorações possam ajudar na retomada da economia turística.
*Jornalista e historiador (mwerkema@uol.com.br)