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Carta aos Tempos
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Compartilhando mesas e a vida

Às segundas o prato do dia era costelinha com guisado de chuchu e abobrinha; às terças, maçã de peito com batata; nas quartas, feijoada; às quintas; frango frito com salpicão; já nas sextas, frango ensopado e/ou frango ao molho pardo; por fim, aos sábados, pernil com salpicão ou frango frito. Também havia a possibilidade de pedir um bife de boi, porco, frango ou fígado, ou um ovo frito, tudo sempre acompanhado de salada. Descontando os possíveis enganos da memória afetiva, esse era o cardápio semanal do prato feito servido no Bar e Restaurante Manjuba, quando o frequentei há mais de uma década. Localizado na Barra, servia como um interessante ponto de encontro dos diversos públicos que tornam Ouro Preto cosmopolita: trabalhadores dos comércios, das empresas e das instituições próximas, moradores dos bairros centrais e dos distritos, estudantes a caminho ou voltando da UFOP e do IFMG, além de turistas dispostos a conhecer a cidade a partir de outras perspectivas e sabores, entre outras possibilidades. Ocupei alguns desses diferentes lugares, como estudante universitário e morador da República Aquarius na Rua Paraná, que algumas vezes trocou o almoço por um pão com bife de fígado na chapa, ou como servidor público e morador da cidade que passei a ser – e que ansiava pelas 11h30 para poder ir almoçar no Manjubão. 

Já morando na Barra, após o término do curso de graduação, passei também a tomar café da manhã no Manjuba, com pastel de queijo e café, com a agradável companhia do Vicente, do Nazareno ou do próprio Zé Manjuba. Com o tempo, começamos a jogar futebol juntos, ampliando as conversas e os laços. A partir disso, passei a convidar pessoas do meu convívio para almoçar ou jantar (que era servido até às 20h30) e com quem gostaria de compartilhar a satisfação de lá estar. Um traço interessante do Manjuba era o fato de que as mesas eram compartilhadas, uma característica diferenciada dos nossos tempos de clientelismo e no qual exigimos exclusividade nas nossas vidas de consumismo. Essa situação fazia com que tivéssemos que interagir e conversar com muitas pessoas, num estimulante exercício de contato com a diferença e com o outro. Negociar o jornal do dia, sempre disponível numa das mesas, também exigia diálogo e um compartilhamento de interesses e indignações mútuas. De algum modo, as expectativas de cordialidade entendidas por alguns como um traço fundamental da brasilidade se apresentavam ali, com aproximações culturais e econômicas muito relevantes para entender o que somos e como vivemos. Quase uma década depois, é curioso pensar como essas dinâmicas aproximavam pessoas diferentes entre si, e que se trata de um cenário pouco imaginável hoje, quando estamos todos tão envolvidos com nossos celulares e com nossas bolhas sociais e políticas.

Recebi recentemente a notícia do encerramento das atividades do Manjuba, com uma triste foto da retirada da placa do estabelecimento, uma imagem nostálgica que fez com que esses momentos viessem à memória, inclusive com um retrogosto de não ter feito uma refeição ali nesses tempos pandêmicos. Por outro lado, as lembranças também são felizes e cheias de afeto, por ter compartilhado mesas e a vida num ambiente que tanto nos acolheu, com boa comida e convivência. Talvez o Manjuba remetesse à estabilidade de uma casa que estava distante, ou de um lugar que acolheria alguma diversidade de um mundo em constante mudança. Ou era apenas o reflexo de uma cidade central na nossa história, que a tantos recebeu e recebe e que sempre oferecerá envolvimento e acolhimento.

De todo modo, essa atmosfera continua com o Restaurante do Nazareno, na Rua das Flores, que leva os traços principais do Manjuba no cardápio e no convívio agradável, e onde espero estar em breve.

*Professor de Filosofia e Ciências Sociais do IFMG Campus Ponte Nova

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