Vinte de agosto, uma terça-feira, a cidade do Rio foi palco de outra terrível tragédia, algo já recorrente naquela que foi capital do Império e da República, cantada e louvada como Cidade Maravilhosa, pois, na verdade, a natureza a obsequiou com predicados que sempre a destacaram, antes de os maus políticos a transformarem em antro da corrupção e, por consequência, da bandidagem. Entretanto, pelo que se apurou até o momento, ação criminosa não teve como agente o clássico marginal, ladrão, traficante ou tarado sexual, porém um súbito doente mental, ao qual talvez tenha faltado tempo e oportunidade de obter ajuda profissional, que lhe corrigisse ou amenizasse o transtorno.
O fato é que sem nunca ter tido passagem pela polícia, em decorrência de delito praticado por si, o rapaz tomou de assalto um ônibus, fazendo reféns seus trinta e sete ocupantes. Portando arma de fogo, que se revelou falsa somente após o episódio, o rapaz de apenas vinte anos chegou a derramar gasolina no interior do veículo e amarrou no teto garrafas plásticas, contendo do mesmo combustível. Dado que revelou as condições psicóticas do sequestrador foi ele não ter roubado nada de ninguém, o que possibilitou a alguns passageiros fazer contato com outros fora do ônibus por meio de smartphones. Imagine-se dentro do veículo a rodar sobre a ponte Rio –Niterói, 5h30, ainda nem se via o sol naquele dia, quando um estranho se põe acima de tudo e ameaça pôr fogo no ônibus. É assustador, só de pensar! Por três horas e meia, os ocupantes daquele coletivo viveram cada segundo como se fosse o último de suas vidas, uma agonia consciente, contínua e sem perspectiva de escape sem ajuda, em razão do local. Pergunta-se: o que levaria cidadão pacato, aparentemente sadio, a cometer tal desatino? Muitas causas podem estar por trás dessas ações, que se tornam comuns em grandes cidades; até o terrorismo político!
Entretanto, nem é preciso ser profissional da área mental, para deduzir, pelo menos, parte do que pode motivar tal comportamento. Os muitos interesses, na vida moderna, pressionam o indivíduo além de sua capacidade de gerir o próprio mundo, envolvendo-o a tal ponto que, não sabendo ele definir prioridades e reais necessidades, levam-no à desarticulação com a sua própria realidade. É como uma pessoa, que se desvia de sua trilha e se perde na floresta que o circunda. Se ela própria não consegue voltar à trilha ou não recebe ajuda de alguém pode se perder para sempre. Para muitas pessoas a vida se tornou uma espécie de competição permanente, na qual vale tudo para também ter o mesmo obtido pelo vizinho, pelo colega, pelo amigo ou pelo parente. Essa corrida pela posse tem começado cada vez mais cedo, a partir do primeiro celular, no qual cada qual se isola, em busca de sonhos, que podem se revelar quimeras como se viu no caso do jovem carioca, embora não se saiba o que, verdadeiramente, o leria levado ao desatino.
Para contê-lo e evitar tragédia maior, a polícia esteve presente desde o início, empregando o melhor em técnicas de convencimento, que levasse o sequestrador a desistir de suas intenções e se entregar às autoridades. A preocupação maior era com a segurança e integridade das vítimas, presas dentro do coletivo, que podiam a qualquer momento ser envolvidas num incêndio provocado por seu algoz. Esgotados todos os recursos e antes que entre as vítimas, alguém viesse a sofrer o pior, em decorrência do estresse prolongado, o sequestrador foi abatido. Não foi o desfecho ideal, mas necessário devido às circunstâncias extremamente desfavoráveis aos sequestrados. O Estado valeu-se do extremo em defesa da sociedade, representada pelas trinta e sete vítimas.
Que isso não alimente o pensamento voltado à adoção da pena de morte, pois nesse episódio houve aplicação do direito de defesa e não do “direito” de matar, que ninguém tem. A pena de morte, onde existe, é uma aberração jurídica. Se nenhum indivíduo tem o direito de matar, como pode ele dar algo que não tem ao Estado? Também com relação ao desfecho, apresentador de programa policial aventou hipótese de se dar classificação de heróis aos executores da ação final; palpite infeliz, desumano e revoltante! O executor ou executores não exerceram nenhuma ação de bravura ou de heroísmo. Empregaram apenas um recurso técnico, no momento certo, sob ordens superiores; recurso que se espera não mais ser necessário!