Voltemos ao extremo leste de Cachoeira, onde começamos o relato sobre os bairros, a partir do Alto do Beleza, para agora falar sobre as ruas, a partir da Rua Tombadouro; rua mais considerada como bairro, de acordo com as referências populares. Crê-se que poucos observam não se dizer: eu moro na Rua Tombadouro, mas “moro no Tombadouro”, “vou ao Tombadouro”, “venho do Tombadouro”, “cresci no Tombadouro” e por aí vai. De rua ninguém se lembra! Por isso se disse, no primeiro relato, que o Tombadouro seria abordado quando fossem abordadas as ruas.
Pelo Tombadouro, entrou em Cachoeira o imperador Pedro II, em sua última viagem a Minas. Do pai, Pedro I, desconhece-se relato sobre sua estada, mas da visita do filho, sabe-se de o povo ter ficado ao longo da rua, e, o sinal da aproximação da comitiva imperial eram rojões, lançados ao ar desde a passagem pelo Tabuões. Diga-se, de passagem, que somente os governantes imperiais visitaram e pernoitaram em Cachoeira do Campo.
E, por que Tombadouro? A curiosidade em torno do nome é antiga, embora da parte de poucos. Muito interessante, porque no Português de origem, os dicionários não têm registrado o vocábulo. Consultados os brasileiros, “Aurélio” e “Antônio Houaiss”, ambos dizem ser “o mesmo que tombador”, dos quais discordo. “Tombador” é quem ou o que causa ou realiza o tombamento, enquanto “Tombadouro” é local onde se tomba. Analogamente, temos ancorador (que ou quem ancora embarcação); ancoradouro (local onde se ancora a embarcação). Portanto as duas palavras significam coisas diferentes. Embora de alta credibilidade, os dois dicionários estão equivocados!
Então, por que “Tombadouro” para aquela região e rua? Resolvi dar uma “fuçada” em torno da questão, a partir da topografia local. A rua, a percorrer a crista de um morro alongado, tem os quintais (não horta, como se diz na sede municipal) da esquerda terminados no abismo de onde se eleva a “serra” da Mãe Engrácia. No lado direito, também se observa os quintais em declive, porém suave. Creio estar aí a explicação para o nome “tombadouro” ao bairro e rua. Embora nunca se tenha ouvido falar sobre acidente de tal monta no local, os primeiros a passar por ali podem ter aventado a possibilidade de uma carruagem, animal de carga ou montaria tombar no precipício. De fato, o perigo de tombamento existe, no caso de desvio para o lado da “Mãe Engrácia”.
Antes do transporte mecanizado, quando a locomoção entre grande distância se fazia à custa de animais, havia, no Tombadouro, uma estalagem, espécie de pousada bem simples, destinada aos viajantes de passagem. Até os anos 40 do século passado, o local, ainda que não mais houvesse a hospedaria, era conhecido como “estalagem”. Outro dado interessante é que “tombadouro” ´pode ser denominação de pouca ocorrência além desta região porque, além de Cachoeira do Campo, especificamente, e de Ouro Preto, onde o mesmo nome é dado ao local onde se situava a antiga fábrica de tecidos, há um bairro, em Itabirito e o distrito de Tombadouro, no município de Datas-MG. Além desses locais, parece haver uma dança com a mesa denominação, também em Minas Gerais, estado supostamente o único onde é aplicada a denominação Tombadouro”. Nem o editor de textos Word reconhece “tombadouro”, grifando a palavra com uma “minhoquinha” vermelha.
Se dicionários lusitanos não têm a palavra registrada e equivalentes brasileiros lhe dão significado incoerentes, já temos algo insólito, raro, incomum, anormal; a palavra “tombadouro” é desconhecida no Português original, pouco conhecida no Português derivado (Brasil) e mal explicada por seus dicionários. Não se sabe ainda se as mineiras são as únicas ocorrências, mas é possível que sejam, o que nos levaria a mais considerações. Parece que, em Itabirito, a denominação é oficial, mas em Ouro Preto, parece não ser, o que colocaria Cachoeira do Campo entre as três, supostamente, únicas localidades a empregar, oficialmente, a denominação “Tombadouro”, a logradouro; fato comprovado por placa. Entretanto, isso quase se perdeu, quando um político quis homenagear antigo morador da rua, dando-lhe seu nome. O que evitou a incúria foi o fato de a descendência do homenageado ter orientado a que o nome fosse dado a logradouro ainda sem nome; e assim foi feito.