Nylton Gomes Batista
Viver em localidades como Cachoeira do Campo, nos anos 40, em comparação com a atualidade, seria como em outro mundo, à semelhança do que se vê em histórias de ficção científica. Quem nasceu depois da internet, por exemplo, não tem ideia de como eram as coisas naquela época, e, à medida que se avança no tempo e se abraçam novas tecnologias, mais difícil se torna para novos viventes o entender como era a vida.
A coisa, desde seu surgimento, conhecida como telefone, hoje, genericamente, denominada celular, era um para todos. Um telefone para toda uma comunidade pode ser hilário, quando só nos falta o “totozinho” de rua ter seu celular pendente ao pescoço, mas era a dura realidade daqueles tempos. Quando alguém, por intermédio de terceiros, era chamado ao telefone, às vezes já saia de casa a chorar, pois ninguém chamava para fazer declaração de amor, para contar piadas, fazer fofocas ou contar ter ganhado na loteria, e, visita não avisava com antecedência; chegava de surpresa. Conseguir uma ligação telefônica era das. coisas mais difíceis de se fazer; levava-se quase um dia: isso quando se conseguia.
A locomoção era outro grande entrave na vida das pequenas localidades. De Cachoeira do Campo para qualquer outra localidade, nos anos 40, havia que ser programada com antecedência. Para quem tinha cavalo e montava, essa era a primeira opção. A segunda era pela ferrovia, cuja estação local (a Dom Bosco) situava-se a quatorze quilômetros de distância. Muita gente não conhecia outra localidade além da de seu nascimento. Em 1947, já havia uma jardineira, ligando Mariana a Belo Horizonte, numa viagem, que se podia qualificar como aventura, tais os riscos de quebra do veículo, longe de qualquer possibilidade de socorro, sem considerar riscos de acidente e graves consequências. A viagem era semanal, com saíde de Mariana, segunda-feira, retornando no sábado, o que obrigava viajante a permanecer, no destino, durante uma semana, se não quisesse retornar de trem. Creio que era oportuno o intervalo, para que o viajante tivesse tempo de se recuperar do grande desgaste sofrido. A jardineira tanto saltava que passageiros chegavam a bater a cabeça no teto, que então era um pouco mais baixo. Já contei aqui que tive uma experiência no trecho e quando, ao desembarcar, além das pernas moles, tinha a impressão de que os “recheios” da cavidade toráxica e do abdome estavam todos misturados! Junte-se a tudo isso o terrível fedor da gasolina. Até parecia que ela não circulava nas entranhas do motor, porém, sim, no corredor do veículo, entre os passageiros.
Em 1946 já estava em construção a estrada, futura Rodovia dos Inconfidentes, mas seu primeiro estágio (faixa única e cascalhada) só ficou pronto em 1953. Até então, o deslocamento, por automóvel, entre Ouro Preto e Belo Horizonte se fazia pela antiga estradinha, meio “caminho de cabrito”, que se descolava da ferrovia, na antiga Estação Dom Bosco, desviando-se para Cachoeira do Campo, Amarantina e Itabirito, onde se emparelhava novamente com a ferrovia. Deduz-se como estratégia o fato de o traçado da estrada acompanhar a ferrovia, para facilitar socorro em caso de necessidade.
É importante registrar que, devido às imensas dificuldades de locomoção, vagem era acontecimento muito importante na vida de pessoas de medianas posses, sendo o fato preparado com bastante antecedência, o que incluía renovação do guarda-roupa, especialmente o feminino, acompanhado por discreta divulgação; dava status a uma pessoa o fato de ela viajar à capital, por exemplo. E ninguém dizia “vou a Belo Horizonte”, mas, sim, “vou à capital”; era mais chique!