Por Nylton Gomes Batista
Depois do voo do tubo de lança-perfume, aquela tarde foi toda nossa, para comemorar e rememorar detalhes do acontecido; sorte nossa porque, se o tubo divesse batido numa vidraça, entrado numa casa e causado algum dano ou atingido uma pessoa, teríamos tido lágrimas em lugar de sorrisos. Como tudo tinha saído bem, até mesmo adultos, disfarçadamente, teriam gozado de alguns momentos de lazer. Não podiam explicitar o que sentiam, pois na verdade, aquilo fora uma traquinagem com tudo para dar errado, ou seja, causar danos materiais ou, pior, ferimentos em alguém. Mas, eles tinham sido crianças e sabiam da necessidade infantil do brinquedo, da brincadeira. E quando o brinquedo ou brincadeira é fruto da nossa imaginação, da nossa intuição e iniciativa, tem um valor e um significado especial, que transcende à compreensão de quem, de fora, assiste àquele momento.
Embora estivéssemos à boa distância da fogueira, no momento do forte chiado, houve susto geral e correria em direções diversas, pois não se esperava reação tão violenta. Pelo fato de ter sido colocado com o orifício para baixo, o tubo subiu na vertical, causndo na base uma confusão dos diabos, que envolvia fumaça, vapor de água, cinza, pquenas brasas e restos dos gravetos utilizados na pequena fogueira. Ainda bem foram gravetos e não propriamente lenha, que teria produzido brasas maiores, passíveis de causar queimaduras. Ao nível do solo, nada se via, mas, acima da nuvem formada, depois de subir até certa altura, o tubo desceu, e,ao nível das cabeças, entrou em zig-zag. Das poucas pessoas, que passavam pelo local, uma caiu, atropelada na correria, outra, em dado momento, deitou-se no chão, temendo ser atingida pelo “foguete”. A gritaria era geral, excluindo-se os garotos, reponsáveis pela confusão, que se mantinham atônitos, temerosos pelo resultado da curiosidade, que os levara ao “experimento”.
A explosão em forma de grito uníssono, como que ensaiado, só se manifestou quando, exaurida sua força, o tubo caiu e se aquietou no chão. Aí, sim! Houve hurras, abraços e cambalhotas no gramado em volta da capela! Dali em diante, foi só comemoração e, ao saberem do acontecido, garotos das vizinhanças se juntaram a nós. Mais tarde, reunidos em volta dos restos da fogueira, fomos surpreendidos por um barulho, como de algo a bater repetidas vezes e, ao mesmo tempo, uma gritaria que, a princípio não se conseguiu identificar, até que alguém apontou para cima e gritou: – é a galina, é a galinha. De cima do muro, ao lado da casa, situada atrás da capela, saltara e voava à altura do beiral da mesma, sempre gritando, como fazem galinhas assustadas. Corremos na mesma direção para ver a galinha voadora, mas ela já desaparecia, atravessando à frente da capela. Voltamos, então, ao ponto de partida e ela já estava de volta, para pousar no mesmo local de onde partira. Num voo, sem escalas, fizera o contorno da capela de Santo Antônio e estava de volta ao seu terreiro.
-Galinha voa? – Não voa, dirão. As leis da aerodinâmica também dizem ser impossível ao besouro voar; e ele voa. Galinha tem asas e tem penas, como qualqur ave voadora. De acordo com essas características, tem competência para voar. Por que, comumente, não voa? Talvez não voe, porque não lhe ensinaram, ou ensinaram o contrário,como algumas coisas entre humanos. Telvez, entre galináceos o voar seja considerado antidemocrático ou não seja politicamente correto.
Aquele fato insólito contrinuiu para mais euforia entre os garotos, havendo até quem, jocosamente, visse nele uma “homenagem” da galinha ao feito infantil. Na época, ninguém se lembrou de um detalhe curioso: o voo da galinha, contornando a capela de Santo Antônio, tem similaridade com o voo do 14Bis, pilotado pelo seu inventor, o brasileiro Alberto Santos Dumont, que se ergueu do solo, contornou a torre Eiffel (Paris) e retornou ao ponto de partida. Foi o primeiro voo do mais pesado que o ar, diante de um público previamente convidado e que foi filmado. Antes desse feito, os irmãos Wright, norte-americanos, teriam lançado aparelho similar ao ar, por meio de catapulta, sem testemunhas, diga-se de passagem. O voo, em segredo, foi mais um voo de galinha; galinha norte-americana, esclareça-se, porque, no Brasil, pelo menos uma conseguiu fazer um voo autodirigido, em volta de um monumento, tal qual fizera Santos Dumont em 1906.