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Ponto de Vista do Batista
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Rua Santo Antônio VII

Por Nylton Gomes Batista
Não sei dizer se em outras ruas se cultivava o mesmo hábito porque, sendo ainda criança, não tinha a independência necessária para percorrer outros pontos, porém creio que devia ser a mesma coisa, uma vez que muitos relatos dão conta daquele comportamento em outras localidades. Nas longas e quentes tardes de verão, famílias da Rua Santo Antônio se reuniam às portas das casas, para conversar, enquanto os filhos se esbaldavam em jogos e brincadeiras de natureza coletiva, seguindo a predominância na área lúdica infantil. Brinquedos individuais eram poucos, quase sempre feitos pelas próprias crianças, quando não pelos pais. Nas casas onde havia rádio, adultos costumavam recolher mais cedo, para ouvir a novela radiofônica, gênero em que se destacou a famosa “O Direito de Nascer”!
A meninada, que preferia o folguedo na rua, até gostava que o rádio faltasse em algumas casas, pois assim restavam adultos que os monitorasse; na rua, sozinhos, os pais não os deixavam. Pode parecer estranho, hoje, quando praticamente todos têm televisão, que o rádio não estivesse ao alcance de todos; mas era assim mesmo. O rádio demorou muito a entrar na casa do pobre, mesmo porque nem todos tinham luz elétrica e muitos dos que tinham esse conforto, em Cachoeira, o tinham de forma limitada e não dava para ligar um rádio. Aqui, um detalhe curioso quanto à posse de um aparelho receptor de rádio; o proprietário de um rádio-receptor tinha que pagar uma taxa anual aos Correios e Telégrafos. Não resisti à tentação de dar essa informação às novas gerações, mas nesses tempos de voracidade fiscal, corro o risco de açular o setor correspondente e induzi-lo a uma recaída.
De volta ao que podia fazer a meninada, na área lúdica, é bom frisar que os brinquedos eram poucos e dependiam muito da imaginação infanto-juvenil que, muitas vezes, os produzia, quando não os pais. Dessa imaginação tudo podia susrgir, nem sempre sob a aprovação do mundo adulto. Uma dessas brincadeiras estava ligada à tanajura, aquela formigona alada, que costuma surgir em grande número nas tardes de primavera/verão. Pegava-se, com cuidado, uma das bem grandes e, presa por uma linha ao seu saliente abdômen, pendurava-se uma pelotinha leve. Depois disso soltava-se a formiga. Ainda não existia o helicóptero, mas a voo da tanajura, a carregar aquele corpo estranho, assemelhava-se ao de uma dessas modernas aeronaves em missão de salvamento. Outras vezes, a chapa quente do fogão a lenha era a base das nossas “experiências”. Por não ser de acendimento rápido e automático, mantinha-se o fogão aceso, pouco fogo, quando não em uso no preparo de alimento. Com isso, a chapa de ferro estava sempre quente e pronta para as nossas tropelias. Um pequeno frasco de vidro com um pouco d’água (até metade), fechado com rolha de cortiça, era colocado sobre a chapa. Quando, sob estampido, a rolha era expulsa pelo vapor ali produzido, a nossa vibração ia ao limite máximo. Mas, a repetição daquele quadro se tornou, para nós, enfadonha; razão pela qual passou-se a “pesquisar” uma forma de avançar na mesma linha. Foi quando demos de cara com um tubo vazio de lança-perfume. Entretanto, havia dois problemas a serem superados: o orifício era muito diminuto e não seria fácil abastecê-lo com água, por pouca que fosse; o “experimento” teria que ser feito em área aberta, pois, de antemão não se sabia das consequências. Não me lembro como, mas conseguimos introduzir boa quantidade água no tubo. Quanto à vedação, foi usado pedaço de vegetal verde. Acendemos pequena fogueira ao lado da capela de Santo Antônio e, nela, colocamos o tubo com o orifício para baixo, de forma a ser menos atingido pelo fogo. Colocamo-nos à relativa distância e aguardamos. Depois de alguns minutos, de repente, ouviu-se um chiado como o de um foguete de vara, muito comum nas festas, e, em seguida, o tubo estava a voar, em zig-zag, pela praça. Algumas pessoas passavam pelo local e se assustaram sem saber o porquê.
O efeito foi bonito e satisfez nossa curiosidade, mas, naquele momento, tememos pelas vidraças de uma das casas. Se aquele tubo de alumínio batesse numa daquelas janelas, para nós o mundo desabaria! Alguém poderia sofrer, no lombo, as consequências daquela traquinagem! Felizmente, nada aconteceu e o feito pôde ser celebrado com jactância e muitos risos: – a coisa funcionou porque fiz assim! – se eu não tivesse lembrado daquele detalhe, o tubo nem teria saído do lugar – nóis é nóis, êh! êh! Pois é, ainda nem se falava na corrida espacial e nós, meninos da Rua Santo Antônio, já fazíamos nossas experiências no caminho das estrelas. Pois era isso que teríamos visto, se algo tivesse dado errado, segundo a visão adulta: estrelas!

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