Por Nylton Gomes Batista
Com relação à informação de que Cachoeira do Campo já produziu a eletricidade de que necessitava, houve reações de surpresa, pois se pensava que esse benefício tivesse sido introduzido pela CEMIG, não por empresa anterior e local. Pois é; em dezembro de 1928, quando muitas localidades de maior porte ainda não contavam com luz elétrica, Cachoeira do Campo inaugurava seu serviço, pondo em funcionamento usina própria e iluminando suas ruas. Imaginem que Cachoeira do Campo estava longe de tudo, não havia estradas, senão uns caminhos de cabrito; a estação ferroviária (Dom Bosco) distava 14km; o único meio de comunicação eram os Correios e Telégrafos. Afora as cartas levadas e trazidas pelos Correios, eventuais viajantes (incluindo-se tropeiros locais) eram os maiores portadores de notícias. Enfim, Cachoeira era um brocotó perdido nos cafundós de Minas! Considerando tudo isso, vê-se que a criação da empresa de força e luz local foi um empreendimento arrojado que, nas devidas proporções, não mais se repetiu. Devemos tirar o chapéu àqueles pioneiros!
Também houve questionamentos quanto à qualidade da luz, que segundo comentário de uma pessoa, “não alumiava nada”. Os que fazem tais críticas só conheceram o serviço, quando já em declínio, em estágio final. Se movimentava fábrica, que produzia chinelos, botas e todos os acessórios destinados a selaria, incluindo-se peças metálicas, era porque cumpria bem seu papel. Bem, o assunto é a Rua Santo Antônio; e, dela, vamos continuar a tratar.
Já se disse que, antes de muita gente, por ela já passavam bois, passavam boiadas; e que boiadas! Eram tantos bois, que se costumava avaliar o tamanho da boiada pelo tempo gasto na passagem do rebanho por determinado ponto; cinco minutos de bois, oito minutos, dez minutos. Parece pouco, mas não é. Bovino em manada anda rápido, quase a correr, atropelando-se uns ao outros e como, na Rua Santo Antônio, boiadas e tropas sempre desciam, imagine-se a tropelia provocada pelos bois. Mas antes disso, podia haver outra tropelia, a depender do tamanho da boiada. É que bem antes da passagem de uma grande boiada, vinham os batedores para avisar a população. Quem estivesse na rua, que procurasse abrigo, imediatamente. Na rua, corria-se o risco de atropelamento e esmagamento sob o peso dos animais. Como, praticamente, ainda não havia “lalaus” a desassossegar a população, pessoas se respeitavam e propriedade alheia era direito sagrado, razão pela qual portas permaneciam abertas, da manhã à noite, o que facilitava muito a quem, na rua, estivesse longe de casa, naquelas ocasiões.
Para nós, crianças, o passar da boiada era um espetáculo grandioso; aquela floresta de chifres a sobressair de u’a massa compacta de corpos, em movimento acelerado, ladeira abaixo, era algo imperdível, desde que devidamente protegido. Berros e mugidos se misturavam aos gritos de comando dos boiadeiros.
Depois da boiada, a Rua Santo Antônio parecia ter sido caminho de um furacão; a vegetação destroçada e fezes dos bovinos por toda a rua, antevendo-se muito trabalho para os catadores de esterco – nós, crianças – depois de tudo seco, sob o sol de alguns dias. Deixar de recolher o estrume seria grande desperdício e perda de bom adubo natural para a horta, na maioria dos quintais.
Aqui, não resisto a uma zoada aos “trezentões”. Sabe-se que quintal é terreno, cultivado ou não, nos fundos de uma casa. Quanto a horta é espaço cultivado com plantação de hortaliças e legumes, podendo ocupar todo o quintal ou parte dele. No distrito-sede, Ouro Preto, os “trezentões” dão o nome de horta ao quintal, que pode ser todo coberto de mato, ervas daninhas, ou, cimentado e não conter uma folhinha verde sequer. Curiosidades de Ouro Preto!
Não somente grandes, mas também pequenas boiadas desciam pela Rua Santo Antônio. Embora não tão devastadoras, às vezes, apresentava uma curiosidade perigosa, pois costumavam conter um boi brabo, que dava trabalho por uma boiada inteira. Por isso, o batedor estava sempre à frente para avisar e, nesses casos, recomendava-se fecharem-se as casas e que ninguém ficasse à janela; é que o bicho não gostava de gente mesmo! Desse tipo de boiada, nós, crianças, não gostávamos, pois, por medida de segurança, éramos mantidos à parte dos acontecimentos e nada víamos. Segundo o que se ouvia dos adultos, tais animais somente se acalmavam, quando saiam da região habitada. Talvez, algo presente no ser humano – quem sabe, o cheiro? – irrita esses animais, daí a diferença de comportamento, num e noutro local.