Por Nylton Gomes Batista
Não há como fugir do tema, pelo menos, por enquanto ainda de livre discussão, porque em outros campos a foice anda a podar a palavra, que o público precisa e quer ler ou ouvir. Mas, se a inteligência humana, por vezes, falta – e como tem faltado ultimamente – agora temos a inteligência artificial a provocar discussões, que se prefeririam em torno de outros temas. Mas se é o que há, vamos lá!
O assunto está em crescente ebulição, alimentada por polêmicas levantadas, de um lado, pelos que a louvam, de outro, pelos que a condenam. Seja como for, a favor ou contra, o fato é que, se aumenta o calor do debate no meio público, entre especialistas da área cresce o fervor em torno da evolução tecnológica. É assim que, o surpreendente nos visita a cada dia com novidades, algumas do “tipo São Tomé” ou ver para crer! O mundo está a se transformar a uma velocidade tal, que se torna difícil acompanhar, mesmo para quem está ligado à realidade no campo da tecnologia. No passado, para se manter atualizado, era suficiente ler jornais, revistas, ouvir rádio, frequentar cinema. Depois veio a televisão, que tudo englobou (sem trocadilho) e facilitou, mas ela também passou! Sim, hoje, a antiga mídia não mais é suficiente e nem conveniente para manter a pessoa bem informada e bem situada num mundo, que dialoga, interage, troca experiências e busca novos caminhos, novos conhecimentos. Pergunta-se, entre leigos, curiosos, desconfiados e entusiastas: onde vai dar tudo isso?
Creio que lá, de onde toda a realidade humana vem: do pensamento. A própria pergunta responde. Tudo é ação e reação. No caso em curso, o pensamento gera a ação (a tecnologia), que gera mais pensamento (onde vai dar isso? que fazer? como e em que aplicar?), desdobrando-se assim o pensamento original em outras ações e reações. Em resumo, as grandes conquistas humanas, levam o indivíduo a pensar e aí está o centro da questão, porque o pensamento é a razão principal de uma vida. Sem pensamento nada existiria! Que venham, pois, todas essas assombrosas novidades, a facilitar a vida e, principalmente, mostrar que cabeça não é para cultivar cabelo e criar piolho! O indivíduo precisa pensar e saber pensar, porque a vida é sua e, por isso, tem o direito de decidir por si, não deixando se dominar por terceiros.
Mas, voltando à questão das implicações da IA nas atividades humanas, sabe-se, compreende-se e se aceitam que algumas delas se transformem em outras ou mesmo desapareçam. É o curso normal das coisas. Temos, aqui mesmo, forte exemplo de como um ofício, uma profissão e uma atividade econômica podem desaparecer, mas fazem surgir outras em seu lugar.
Na transição dos séculos XIX/XX, Cachoeira do Campo era um polo de tropeiros, único meio de transporte terrestre de mercadorias. Junto à capital da província, posteriormente, do estado, tropeiros daqui partiam para todas as regiões mineiras e estados vizinhos, levando e trazendo mercadorias de todos os tipos, em uso e necessários àquela época. Essa importante atividade econômica gerava outras como: criadores de muares, fabricantes de todos os artigos em couro bovino, bem como artigos tecidos a partir da crina animal, tudo destinado à montaria e burros de carga. Havia ainda os ferreiros, que fabricavam todos artigos, em ferro, destinados à mesma atividade e mais um sem número de ofícios a girar em torno do transporte animal. De repente (1889), inaugurou-se o ramal Ouro Preto da Estrada de Ferro D. Pedro II. A partir de então teve início o declínio da atividade tropeira. A ferrovia não passava na zona urbana de Cachoeira, porém atravessava o distrito no extremo sul, quase limite com Ouro Branco, mas foi o suficiente impactar a atividade. Pouco a pouco, vieram as estradas de terra, os primeiros caminhões, depois as rodovias asfaltadas e com elas os gigantes de rodas, conduzidos pelos modernos e sábios caminhoneiros. Rudes, valentes e heróis, no comando da tropa, de cidade em cidade, povoado a povoado, na travessia dos sertões, os tropeiros fizeram história e abriram caminho para seus sucessores, também valentes e heróis, os caminhoneiros, sem os quais o Brasil não anda, não vive!
Da atividade tropeira, trocadores de ferradura foram substituídos por borracheiros; fabricantes de antigos apetrechos foram substituídos por oficinas mecânicas, vendedores de autopeças; estalagens e pontos de apoio aos tropeiros foram substituídos por pequenos hotéis autopostos de combustíveis. Felizmente, para nossa santa Gula e em memória daqueles antigos trabalhadores, da atividade tropeira sobrou algo insubstituível: o feijão-tropeiro, feito com o bom feijão, a boa farinha-de-mandioca e o suculento torresmo de porco.
Cachoeira do Campo, 18 de março de 2023