Por Nylton Gomes Batista
Se não fosse sua “derrapada”, ao final da estada, até que o “mudo” de Ouro Preto teria merecido um lugar de herói na história local, considerando todo o tempo de mudez autoimposta e superação da barreira dela advinda, pois não é fácil segurar a fala, quando se pode e quer falar. Pior ainda, viver como mudo, não o sendo de fato! É preciso ser artista! Inteligente, ele ainda conseguiu ser simpático, cortês, paciente, despertando nas pessoas o sentimento de solidariedade que, em relação a outro, poderia ter sido piedade. Aos olhos de quem o via tudo parecia estar bem, mas, a diversidade da natureza humana tem sempre uma surpresa a mostrar e, no caso do “mudo”, o desfecho causou decepção coletiva, pois a comunidade, praticamente, já o havia adotado como membro permanente. Entretanto, sua verdadeira natureza parece ter se rebelado contra a mentira criada e ali vivida. Preferiu deixar sua marca negativa, talvez como um pedido de desculpas, a seu modo, por toda a falsidade engendrada.
Curiosamente, no círculo de relações deste autor, somente uma pessoa não acreditou que o “mudo” fosse, de fato, mudo, desde o dia em que este chegou à Pensão do Barreto. Argumentava que pessoas mudas, geralmente, são agitadas devido à vontade de se comunicar e a dificuldade encontrada. De fato, o rapaz se mostrava tranquilo demais.
Embora tenha enganado toda a população e, ao fugir, dado prejuízo a algumas pessoas, o “mudo” fez menos mal que certas pessoas a viver uma vida de falsidades ao lado de outras, que as têm em alta conta, sem sequer suspeitar da deslealdade e traição em sentido contrário. São verdadeiras mentiras ambulantes, sorrisos à frente e agudas garras às costas! Suas vítimas, seduzidas pelas falsas aparências amigas, só se descobrem traídas quando no olho do furacão, envolvidas por manobras voltadas à destruição de sua reputação. Para resistir a isso há que ser, psicologicamente, forte e não inclinado ao revide raivoso. Revidar seria igualar-se aos traíras!
Mas, vamos a mais uma grande mentira pública, infelizmente, engolida por grande parte da população. Foi em 1978, quando o público foi alertado sobre o surto de peste suína, especialmente, na Região Sudeste. Teria surgido no interior do estado do Rio e, no princípio, não se falou muito no assunto. Entretanto, à medida que o tempo avançava, o ruído foi crescendo e a matança de porcos também. Como medida de combate ao mal, as autoridades sanitárias determinaram o sacrifício de todos os porcos, indiscriminadamente; nenhum porco deveria escapar. Chegou aos últimos meses do ano com as brigadas de caça e mata-porcos, em verdadeira sanha contra pequenos criadores de fundo-de-quintal, coisa muito comum àquela época. Através das cercas, nas pequenas localidades, o “tués” (porco) era localizado e, no mesmo momento, seu destino definido; gostasse ou não o proprietário. Alguns tentavam discutir aquela operação, mas não eram ouvidos. A ordem era para o sacrifício dos animais e… nada de papo!
Chegaram os últimos dias de dezembro e, com eles, uma chuvarada, que passou a ser a maior preocupação das populações de Minas, Rio e Espírito Santo. Estradas interditadas, cidades isoladas, pontes levadas pela correnteza, morros deslizados, casas desabadas e, pior, muitas vidas ceifadas. Ouro Preto, que assistia a tragédia pela televisão e se mobilizava em socorro aos flagelados, passou a se preocupar consigo, em janeiro quando, a parir do dia dois, as chuvas aqui começaram e continuaram. Se não houve inundações, devido à topografia, ao contrário de outras cidades, não faltaram deslizamentos de morros, queda de muros e desabamento de casas, tudo felizmente sem vítima fatal. Alguns víveres chegaram a faltar, pois o transporte chegou a ser impedido por alguns dias.
Curiosamente, a partir de janeiro não mais se falou em peste suína, desapareceram as brigadas mata-porcos e ao fim das chuvas que, em Ouro Preto, duraram cerca de quarenta dias, a gordura de porco havia sido substituída por óleo de soja, nos supermercados.
Somente aí, começou-se a perceber o que, realmente, acontecia. A peste suína não era notícia falsa, mas já teria sido debelada no foco. Contudo, a indústria da soja e derivados (óleo de cozinha) percebeu a oportunidade e dela se valeu, para demonizar a gordura de porco nos estados de Minas, Rio e Espírito. Em São Paulo e outros estados do sul, o mercado já estava dominado. Somente agora a gordura de porco tem sido reabilitada.