Notícia falsa ou mentira pública, conforme já dito, é fenômeno antigo com o qual todos convivemos, uns mais outros menos, a depender do grau de discernimento de cada um e do controle, exercido por este ou aquele governo, segundo seus interesses de poder. De uma certa forma é a mentira que move o mundo. A verdade é que, disso, nem sempre nos apercebemos! Por isso mesmo, muitas vezes, a “verdade” vem à tona com rótulo falso, numa inversão de valores, muito comum em nossos dias. Se há mentira ou notícia falsa criminosa, como injúria e calúnia, há também a mentira caridosa, como a que esconde fato cruel ou desagradável de pessoa em situação psicologicamente vulnerável. Ouvimos e lemos mentiras, continuamente, e disso gostamos pois se assim não fosse não haveria a literatura, não haveria o teatro e nem o cinema. Não nos esqueçamos da propaganda! Veja a mulher – agora alguns homens também – a se cuidar da aparência, a se empetecar, antes de sair em público; a partir desse gesto, sua aparência não deixa de ser uma mentira, porém mentira válida e louvável, descontados eventuais exageros. A aplicação de disfarce só não vale para o interior de cada um, seja homem ou mulher.
Muito embora possamos cair em logro, há mentiras memoráveis, que merecem registro. Entre as muitas que Ouro Preto conta, recordo-me de uma. Não me lembro bem o ano, mas sei que situado na primeira metade dos anos 60; quando o carnaval, então do povo, feito pelo povo, com o povo, para o povo, era na Rua São José e do qual participavam blocos como “Os Camisolões”, “Os Baitolas”, “As Gatas do Rosário”, tendo como destaque o “Clube dos Lacaios” com seus bumbos, caixas, taróis, “cariás”, “catitões”, tudo puxado por naipe de clarins a cavalo e encerrado por não menos que três carros alegóricos. As ruas ainda comportavam mão dupla, pois pouco tráfego havia. A força econômica de Ouro Preto e região estava em Saramenha, na fábrica de alumínio da, então, ALUMINAS, de onde partiam e cortavam a cidade, subindo a Rua Direita, grandes carretas carregadas com toneladas em lingotes de alumínio. Na mesma Rua Direita, localizava-se a Pensão do Barreto onde, entre outros pensionistas, tomavam refeições alguns empregados da ALUMINAS, entre os quais este autor, ainda solteiro.
Certo dia, juntou-se a nós, bastante falantes, um novo e diferente pensionista, pois não falava; era mudo. Embora nada falasse, o rapaz mostrou-se bastante sociável, comunicando-se pela escrita com boa caligrafia; meio pelo qual, aos poucos, revelou-se bem-informado e de boa cultura. Com esses predicados, embora não falasse, em pouco tempo formou círculo de amigos e ainda conseguiu emprego, em Saramenha, na área de manutenção, obtendo, ao mesmo tempo, uma vaga no alojamento de empregados solteiros e sem família, em Ouro Preto. Adaptou-se à cidade, enturmou-se e ainda arrumou namorada. Frequentava igreja e, por ocasião do Natal, foi visto na Missa do Galo, ajoelhado e contrito a segurar uma grande vela acesa. O “mudo”, como passou a ser chamado caiu, de fato, na simpatia dos que o rodeavam!
Certa manhã, notou-se um rebuliço na portaria da fábrica e, logo, em seguida, pessoas saíram a gritar: Milagre! Milagre! Milagre! Veio a explicação: o mudo, depois de oração diante da imagem religiosa, na portaria, teria começado a falar. Naquele dia e nos seguintes, o assunto de todas as rodas foi o milagre do mudo a falar. O fato mereceu celebração, em ação de graças, que incluiu até procissão. Passou-se algum tempo e lá um belo dia, o ex-mudo desapareceu. Não amanheceu no alojamento, onde dormia; logo a seguir, trabalhadores também ali alojados descobriram que pertences seus haviam desaparecido. Mas, como? Seria possível? Ninguém queria acreditar nas evidências. Tão célere como a notícia do “milagre” a do seu sumiço se espalhou e surpreendeu, porque depois de tanto tempo e de todo crédito a ele dado, não havia quem acreditasse no contrário a ele atribuído. Para muitos devia haver alguma explicação para o fato e isso só se saberia quando ele retornasse. Talvez tivesse feito uma viagem de emergência. A confirmação das suspeitas veio da polícia que, de outro estado da federação, investigava e rastreava um esperto ladrão. Todas as características batiam com as do “mudo” de Ouro Preto.