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Ponto de Vista do Batista
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Jabuticabeira, um símbolo local I

Tudo tem sua hora e sua vez no esquema universal, pois inutilidade absoluta não há debaixo do sol e em parte alguma. O que hoje não tem significado amanhã poderá ter, e o que está na crista da onda, amanhã poderá estar no ponto oposto das considerações mundanas.
Vêm-me à mente tais considerações quando se chega ao fim da temporada da jabuticaba, fruta simples, delicada e efêmera, pois não ocupa nossa atenção por mais que alguns dias; uma semana, no máximo, a partir da maturação. Da floração à maturação não são mais que quarenta dias! Entretanto, sua simplicidade, delicadeza e doçura dificilmente deixam de seduzir alguém, especialmente, se nos braços da mãe jabuticabeira, onde a fruta pode melhor ser apreciada. Quando se colhe a última da safra, bate-nos uma bruta saudade, assim como acontecia na quarta-feira de cinzas, na época dos bons carnavais!
A jabuticaba sempre foi um referencial de Cachoeira do Campo, cujos quintais se destacavam, de longe, pelas copas arredondadas das centenárias jabuticabeiras. Infelizmente, a paisagem tem sido alterada com o desaparecimento de tais copas, como sequela do mercado imobiliário. Se tivéssemos uma política mais voltada para os valores locais, em todos os sentidos, por certo que as jabuticabeiras, tão presentes em toda a região, não somente em Cachoeira do Campo, estariam de alguma maneira também presentes nas considerações dos senhores políticos. Em outro município, as jabuticabeiras seriam alvo de alguma medida de proteção. Mas, a política ouro-pretana é dominada por cabeças-de-bagre, que só têm olhos para o distrito-sede e seus monumentos. O que há no interior do município não tem valor, não merece sua atenção. As coisas aqui se perdem por puro descaso!
As doces “pretinhas” sempre foram apreciadas, e, antes de Cachoeira do Campo se despertar para o desenvolvimento, que agora ocorre, elas eram pretexto para uma visita daqueles que daqui partiram em busca de algo mais, que o torrão natal não podia proporcionar. Fora isso, a jabuticaba era mais uma curiosidade e extravagância da natureza, que nunca havia despertado o mínimo interesse econômico. Servia como passatempo nas noites quentes, quando nada havia para fazer, e, grupos se formavam para incursões em quintais alheios, onde as jabuticabas pareciam mais saborosas do que as que colhíamos em nossos domínios. Quando regressávamos às nossas casas, descobríamos que outros faziam o mesmo em nosso quintal. Mas, nada de cestas ou sacolas cheias. Cada um consumia diretamente da árvore o que aguentava e, pronto: no máximo algumas nos bolsos para completar a “farra”. Nada de depredações ou qualquer tipo de dano aos proprietários “visitados”, e muito menos, insultos ou agressões contra os mesmos, quando os “visitantes” eram apanhados em flagrante. O comércio da fruta limitava-se à “venda” dos pés de jabuticaba, modalidade em que o comprador podia colher toda a produção ou quase toda de determinada árvore, facilitando a limpeza do quintal, pois se o proprietário não tinha condições de consumir tudo, as frutas viravam vinagre quando caiam ao chão.
Hoje, além daqueles que entram pela porta da frente e as compram, elas são disputadas também a tapas por fedelhos e marmanjos que invadem quintais, na maior “cara-de-pau”, diante dos donos desafiados com toda a sorte de insultos e ameaças. O que conseguem furtar é vendido a preço exorbitante por litro mal medido. Devido às suas peculiaridades, a jabuticabeira pode ser considerada uma extravagância da natureza. Entre o nascimento da muda e a produção das primeiras frutas, o tempo mínimo é de dez anos. O tamanho, a robustez e a longevidade alcançada pela jabuticabeira sugerem frutos de natureza mais resistente, duráveis e até maiores. Entretanto, tudo é o contrário do que pede sua aparência. Desde as minúsculas flores amarelas, que envolvem o tronco e os galhos até as extremidades, a jabuticabeira só mostra delicadeza no cumprimento da função de perpetuação da espécie. Ao contrário de outras frutas, que pedem sol, a jabuticaba o dispensa e é mais saborosa quando sua maturação se dá com bastante chuva. Da floração à maturação completa são apenas quarenta dias e, para se azedar e cair são mais sete dias, no máximo. Depois de colhida, a jabuticaba não alcança vinte e quatro horas sem que se azede. Em menos de cinquenta dos trezentos e sessenta e quatro dias do ano, a jabuticabeira oferece a beleza da floração, do desenvolvimento das continhas verdes, da conversão destas em frágeis e negros receptáculos do néctar tão apreciado, fechando-se o ciclo com o prazer de saborear a fruta.

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