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Ponto de Vista do Batista
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Evolução do mau-caratismo II

Nylton Gomes Batista
Pois é; a coisa ficou braba – como diriam os mais velhos, naquela época, diante de algo em contraposição a valores por eles aprendidos e cultivados. À medida que se avança no tempo, testemunha-se uma transformação ou, pior, uma degradação paulatina, porém persistente, na essência dos valores morais e humanos que, por vezes, assombra até menos virtuosos. O antes intolerável tornou-se aceitável ou tolerável, sob argumentações toscas que nada justificam. A relativização impera em todos os momentos críticos da honestidade, que parece ter entrado em processo de banimento das leis, que regem a sociedade humana. Mas, o que causou ou causa essa evolução do mau-caratismo? Como avançou e por que avançou?
Fala-se em ascensão do individualismo, alimentado pela cultura do consumo e da competição desenfreada, que tem corroído os laços de solidariedade e empatia que, no passado, uniam as comunidades; também a busca incessante pelo sucesso, a qualquer preço, é tida como fator degradante da moral dentro da comunidade humana. Fala-se ainda das novas tecnologias, especialmente no tocante à comunicação, que possibilitaram surgir as redes sociais a dar asas à imaginação, no reino do “vale tudo”, quando eu quero! Considerando tudo isso, teme-se por um futuro incerto, quando haveria uma sociedade dominada pela desconfiança e cinismo, pela ganância e egoísmo!
Felizmente, talvez esses fatores não sejam causas diretas do mau-caratismo, porém parte do processo iniciado com a decadência na educação; não somente a escolar e, sim, a educação como um todo, em todos os sentidos. Na raiz de tudo, percebe-se a falta de uma educação mais ampla, que foi desaparecendo à medida que se valorizava a educação acadêmica, necessária à formação profissional, entretanto, insuficiente à formação do ser integrado à espécie e do ser integrado à sociedade, o cidadão. No passado, a formação do indivíduo tinha início com seu nascimento, a chamada educação de berço, mas, dentre as novas gerações de pais, grande parte perdeu contato com ela.  Disciplina e respeito, por exemplo, conceitos básicos necessários à vida do ser humano em grupo, foram colocados em segundo plano, ao mesmo tempo que pais perdiam a autoridade sobre os filhos e professores sobre seus alunos, em classe. Repare-se que, no Brasil, até o tratamento afetuoso, referencial aos pais, não mais existe, conforme prática em todos os países e em todos os idiomas. “Mamãe” e “papai” foram substituídos por “minha mãe” e “meu pai”, convertendo os genitores em simples provedores de suprimentos quando, na verdade, são fonte de vida, de amor e de carinho! A religião, por sua vez, afrouxou os freios que antes tinham o poder de impor limites às ações humanas; já não se contrapõe, com firmeza, à liberalização geral no campo da moral.
Embora se diga, muitas vezes, que não mais há remédio e que a humanidade está perdida, a recuperação pode, sim, ser implementada com base no fato de a contaminação estar restrita a uma minoria, cujas ações negativas têm mais visibilidade, ao contrário da maioria constituída de gente séria e honesta, sem visibilidade para suas virtudes. Tudo deve começar pela educação, a partir da família!
Do deprimente quadro, de hoje, é bom voltar os olhos ao seu correlato, já empoeirado, do passado: no incipiente rádio, posse ainda distante para a grande maioria, programa semanal relatava crimes, eventualmente, acontecidos na cidade grande. Ouviam-se os relatos sob surpresa e espanto diante da baixeza a que chegavam criminosos, mormente nos casos de roubo, ainda individuais, contra transeuntes, nas ruas, ou residências mais abastadas. Ladrão era epíteto maldito, pior que assassino e homicida, do qual todos queriam distância. O título, com o qual se iniciava o programa e se encerrava mediante ligeiro comentário motivacional, era “O CRIME NÃO COMPENSA”. Parece piada, nos dias de hoje, quando o crime pode ser meio promoção. Na primeira metade do século 20, entre os grandes ladrões, nas metrópoles, destacou-se o “SETE DEDOS”, apelido justificado pelo fato de o meliante ter apenas sete (“SEVEN” para os que preferem a versão inglesa) dedos numa das mãos. Considerado imbatível, deu muito trabalho à polícia e fugiu de diversos presídios, incluído o Carandiru.
Contudo, hoje, “Sete Dedos” seria lagartixa diante dos crocodilos!
No entanto, há uma luz tênue no horizonte. Em meio às sombras da decadência moral, ainda há indivíduos e comunidades que resistem, que defendem os valores da honestidade, da justiça e do altruísmo. E é nesses exemplos de integridade e retidão que reside a esperança para um futuro mais ético e compassivo.
Portanto, diante do desafio iminente, somos chamados a refletir sobre nossas próprias escolhas e ações. Somos nós, como indivíduos e como sociedade, que moldamos o curso da evolução moral. E é somente através do compromisso com a virtude e a dignidade humana que podemos esperar transcender os abismos do mau-caratismo e construir um mundo onde a integridade floresça uma vez mais.

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