Conforme já dito, o estado de quarentena, confinamento, isolamento social ou qualquer nome que se dê à situação, à qual está sujeita grande parte da população mundial, é grande oportunidade para reflexões, hábito perdido em favor do corre- corre para ter tudo, mais ainda o desnecessário, que o imediatismo ordena. A espécie humana, que aprendeu a pensar diante da fogueira, que aquecia, alumiava e afugentava as feras, passando daí ao diálogo com seus semelhantes, evoluiu e depois de milênios, paradoxalmente, deixou de pensar para seguir, sem questionamentos, o que ouve de outrem.
Não que queira, mas o indivíduo deixa de pensar, por imposição da comodidade a que foi acostumado, ao surgimento de tretas e mutretas destinadas ao condicionamento de sua vontade. É assim que não come o que recomenda a natureza ou o que pede seu organismo, porém, obedece cegamente o que lhe ordena anúncio sobre alimento, produzido por moderna indústria; não mais faz cálculos mentais, valendo-se de papel e lápis para registrar o processo equivalente, mas tem a calculadora, o computador, até mesmo celular para fazer o que antes era confiado, inteiramente, ao seu intelecto. As pessoas se acostumam tão facilmente à comodidade, que acabam por se esquecer de sua capacidade de realização.
Exemplo mais marcante do que faz a comodidade sobre a vontade humana, no atendimento às suas necessidades, está na música. Antes do surgimento do fonógrafo, o indivíduo, quando necessitava, produzia e executava a própria música, se não tinha à disposição quem o fizesse, como era o caso dos nobres com poder e recursos para contratar um artista. Em razão disso, parte expressiva da população tocava algum instrumento ou cantava, e, a música era composta por outro tanto com talento suficiente. Atualmente, as massas consomem mediocridades compostas e gravadas não por talentos, mas por alguns experts na arte de ganhar dinheiro. Toda essa lengalenga ou bolodório, desenvolvida até aqui, serve apenas para chamar a atenção e fazer introdução a uma questão ligada ao momento vivido.
Não imunes, mas bastante distantes dos focos de disseminação da COVID-19 e, por isso, em maior segurança, nós, residentes em localidades menores nem sempre avaliamos as grandes vantagens de não sermos moradores de uma metrópole. Considere-se, por exemplo, o momento atual, quando o perigo espreita à virada de cada esquina, no encontro com cada pessoa, na rua, na loja, no transporte coletivo, em qualquer lugar da cidade grande, onde aglomerações são, praticamente, inevitáveis. Nas comunidades, das favelas aos condomínios de luxo, o contágio pode se dar tanto à saída do barraco de madeira quanto à saída do apartamento, sem esquecer o elevador, onde o novo coronavírus pode promover a maior confraternização. O fato é que nos grandes centros urbanos, as pessoas estão mais expostas do que nas pequenas cidades, vilas e povoados.
Mas, na imaginação do indivíduo interiorano, antigamente ou ainda rotulado como caipira por urbanoides, o que ele vê na televisão é o paraíso do qual está afastado por circunstâncias diversas, que ele julga injustas. Não chega a pensar que as favelas e consequente miséria são formadas por pessoas das mesmas condições sociais, que se iludem e se deslocam para as grandes cidades, na esperança de superar a pobreza vivida em localidades do interior. Não se pode dizer que todos acabam em favelas e na miséria, pois há histórias de sucesso, de superação, mas são como algumas gotas d’água no oceano. Este é o momento de uma reavaliação por parte daqueles a pensar que suas vidas somente vão melhorar se mudarem para um grande cidade. A ECOVID-19 fez suas primeiras vítimas, em faixa econômica de maior poder aquisitivo e melhores condições para levar a efeito o isolamento social, mas, como se previa, alcançou a pobreza, especialmente a residente em favelas, onde está a fazer estrago maior.