Aproxima-se a marca dos dois anos de surgimento, oficial, da pandemia COVID-19. Diz-se oficial em relação à data de sua divulgação, último dia de 2019, pois, na verdade, a “encrenca” já podia estar em andamento nos domínios do dragão vermelho, que acabou por perder o controle e deixado escapar a “coisa” numa baforada.
Depois de tudo já visto, tretas e mutretas em torno do assunto, por todo o mundo, incluindo-se a pátria dos tupiniquins, tudo também cabe a qualquer um imaginar quanto ao “nascimento” da praga do século 21. Com todo conhecimento científico acumulado, em paralelo com a tecnologia dele surgido, dá para desconfiar de tudo se, de um lado a “coisa” não é bem conhecida, está envolta em mistérios laboratoriais, do outro há tanta certeza de que o mal será controlado ou extirpado mediante aplicação de tais e quais medidas. Tanta falação, tantas exigências, tantos sacrifícios e os resultados se mostram pífios depois de quase dois anos de “guerra”. O mundo já experimentou outras pandemias, algumas até mais violentas, mas nenhuma fez o estrago, que esta está a fazer: envolvendo a política partidária, sob a forma mais nefasta, ou seja, confundindo o público e aumentando-lhe a insegurança, quando entra em choque com a classe médica, única parcela da sociedade, verdadeiramente preparada para dar combate à doença, ainda que não se conheça, por inteiro, sua natureza e sua causa.
A chamada “gripe espanhola”, há cem anos, foi pandemia mais brutal, se consideradas as circunstâncias de então, a população bem inferior, a falta de recursos em todos os sentidos e o número de óbitos. De acordo com os registros, a “espanhola” perdurou por dois anos, de 1918 a 1920, mas seu impacto inicial foi mais agressivo, causando mais mortes, seja porque não houve tempo suficiente para as populações se prepararem, seja porque a moléstia se instalava com rapidez galopante. Conta-se que, muitas vezes e de acordo com o organismo, ela evoluía até a morte em poucas horas. Com o colapso imediato nos hospitais, mesmo porque não havia uma infraestrutura em rede, na área da saúde, pessoas contaminadas nem chegavam a ser internadas; morriam antes de qualquer socorro. A velocidade na evolução da doença, ajudada pelas circunstâncias, desfavoráveis em todos os sentidos, parece ter sido o principal fator na ocorrência de tantos óbitos, cerca de cinquenta milhões em o mundo, incluindo-se trinta e cinco mil no Brasil. O impacto maior foi em cidades portuárias, como Recife, Salvador e Rio, onde desembarcaram contaminados vindos da Europa e dos Estados Unidos e de onde a doença se espalhou para outros pontos, a começar de são Paulo, então com cerca de quatrocentos e cinquenta mil habitantes. Crê-se que a pequenas cidades do interior, a “espanhola” tenha chegado se eram servidas por serviço de estrada de ferro, praticamente o único meio de transporte mecanizado até então.
Assim, a Ouro Preto, a “gripe espanhola” deve ter chegado por via ferroviária, para angústia e desespero dos ouro-pretanos que, contra ela lutou, nos meses de outubro e novembro de 1918. Pelas condições socioeconômicas de Ouro Preto, na época, apenas vinte e um anos depois de perder o status de capital de Minas Gerais, o impacto causado foi como o de uma bomba, tal qual ao ser abandonada pelo governo ao se mudar para Belo Horizonte; pode-se dizer que foi pior porque causou mortes. O jornal “Ouro Preto”, edição de 25/12/1918, publicou entrevista com o Dr. Albino Sartori (ainda deve haver pessoas que dele se lembra), ao qual o jornal se refere como um “moço louro”, chefe do posto médico e designado delegado de Higiene Pública e que, portanto, estivera à frente das operações de combate à pandemia. Hospital de emergência funcionou numa escola da rede pública estadual (o jornal não diz qual) e do seu atendimento se mostra este balanço: internamentos, 205; curados, 178; óbitos 15; e transferidos para a Santa Casa, 12. Ao todo, houve cerca de 4.000 contaminados entre casos graves e casos mais leves, entre os quais 71 óbitos. No espaço de apenas dois meses, numa população pequena e pobre, foi um desastre, embora o jornal considerasse o número de mortos aquém do que se esperava, em comparação com outras cidades. Tal como hoje, diante da COVID-19, a abnegação dos profissionais de saúde, (6 médicos, 48 enfermeiros e enfermeiras, além da Escola de Farmácia e seus profissionais) contou bastante, o que fez o jornal citá-los, todos, nominalmente. Felizmente, não havia políticos e corrente destes a ditar normas médicas e perseguir profissionais da área, durante a “gripe espanhola”!