Com este número estamos a encerrar a série iniciada com o surgimento da COVID-19, agora, espera-se, em fase de término. Contudo, antes, há que se esclarecer o sentido do título “todos no mesmo barco”, mais aos que questionaram, alegando não estarem, porque a grande maioria entendeu que, em grupos, podemos estar na mesma rua, na mesma localidade, no mesmo país e, finalmente, no mesmo planeta. Assim sendo, o que afeta a um pode afetar a todos, no mesmo grupo, a depender de fatores diversos.
As condições, sim, podem ser diferentes para os muitos indivíduos da mesma espécie e da mesma origem, embora alguns possam se julgar melhores. Ideologizar a vida, o sentido da vida e as circunstâncias dentro dela, é o grande equívoco da atualidade!
Ao falar em ideologia, há que comentar algo a estarrecer muita gente nos últimos dias. Estamos no período quaresmal, próximo à Semana Santa, quando a cristandade, especialmente a católica, rememora os últimos dias de Jesus, como Homem, na terra. O concílio Vaticano II, encerrado em 1965, retirou o ambiente de rigidez, no qual eram celebrados os ritos da Semana Maior. Na verdade, nem tudo que se fazia ou deixava de fazer, cá fora, era imposto pela Igreja, mas era entendido como sim. Na Sexta-feira Santa, as emissoras de rádio tocavam, exclusivamente, música clássica, não se faziam festas, não se buzinava automóvel e, no ambiente doméstico, havia quem deixasse de realizar algumas tarefas; hoje, nada disso acontece, continuando as atividades humanas, praticamente sem qualquer alteração.
Mas, carnaval na Semana Santa, nem pensar e só o demo poderia imaginar; e, parece ter imaginado, estando pronto para pôr a ideia em prática, como prefeito de Aracati, lá no Ceará! O tinhoso ainda se vale do termo católico “Paixão”, para nominar o evento e fazer marketing do que ele chama “melhor semana santa do estado”. Não tendo o mínimo de respeito pelo sentimento do povo, do qual recebeu o mandato, ainda diz, por intermédio de seu porta-voz: “para a prefeitura, a crença em Deus, Jesus Cristo ou um plástico ou pedra é a mesma coisa”.
A humanidade, em sua grande maioria tem uma religião, mas ninguém está obrigado a tê-la. É questão de foro íntimo. Muitos não a têm, porém estão ligados à espiritualidade de forma pessoal. Raríssimos são os ateus convictos, mas, nem estes últimos chegam a tanto desrespeito para com os demais. Não se trata de defender esta ou aquela religião, mas defender o direito de cada indivíduo praticar a de sua escolha, sem qualquer interferência, direta ou indireta e não a ter desrespeitada, sob quaisquer circunstâncias especialmente pelas autoridades constituídas.
Enquanto isso, no plano coletivo, acontecia no Ceará, o insólito um tanto diabólico visitava casal, tirando-o do tranquilo anonimato, no Distrito Federal, para levá-lo às manchetes, em nível nacional.
Ao reconhecer e se aproximar do carro da esposa estacionado, marido depara com cena de sexo entre a esposa e um desconhecido. Incontinente, fez o que qualquer marido faria diante de estupro de sua esposa: arrancou o indivíduo do veículo à força, aplicando-lhe violenta surra, até que chegou a polícia e foram averiguar os fatos. Não era estupro, mas sexo consentido pela esposa que, em surto psicótico, teria assediado o homem, um morador de rua. O marido, embora envergonhado diante do fato e mais ainda sob as pilhérias oriundas de mentes torpes, insensíveis ao drama, encaminhou esposa a tratamento médico, garantindo-lhe todo amparo necessário. O espírito do macho dominante não lhe subiu à cabeça! Essas foram as primeiras informações sobre o caso, seguidas de muita exposição maldosa, na mídia, dos nomes, da esposa “traidora”, do marido “traído” e do morador de rua, agora tido como “celebridade” e “herói”.
Mas da torpeza maior, da vilania sem par, a grande mídia nada menciona. Quatro partidos foram ao morador de rua e lhe ofereceram oportunidade de candidatura a deputado. Não nos interessam os nomes, pois, partidos políticos são lixo (farinha é alimento) do mesmo saco. Como urubus, estão sempre à espreita de algo, mesmo podre, que possa garantir-lhes a conquista ou a sobrevivência no poder, não lhes cabendo nenhum escrúpulo quanto à da exploração de situações, condições ou circunstâncias em que se envolvem pessoas. O que querem é garantir-lhes o poder, no qual deveria estar o povo, conforme enuncia o conceito de democracia. O drama vivido pelo casal só lhes interessa quanto ao terceiro ponto do triângulo infeliz, o sem-teto elevado às “glórias’ da celebridade pela maldade humana.