Há algum tempo já tratei do mesmo assunto ao qual retorno, por julgar pertinente, em razão da mediocridade em que mergulhou, creio que não só a nossa sociedade, porém toda a espécie humana. Pior é que a decadência está em processo, talvez ainda longe do ponto de retorno, a partir do qual nova ascensão se iniciará. Se a tecnologia permite avanços nos modos de fazer, produzir, economizar tempo, reduzir espaço e outros que tais do dia-a-dia humano, o outro lado de sua influência deixa o indivíduo letárgico ou incapaz de ser ele próprio, na condução dos acontecimentos, preferindo deixar tudo por conta do novo e em moda, em detrimento do mais aprazível, proporcionado por conhecimentos acumulados ao longo do tempo.
Antes da invenção do fonógrafo, o indivíduo criava e executava sua música quando dela necessitava – e ele sempre necessita – se não havia outro que a fizesse, ao gosto e no momento requerido. Como sempre se de disse, a necessidade faz o sapo pular. Na falta de recursos a prover a música, situação em que grande maioria se obrigava ao seu aprendizado, para a produção ou para a execução, poucos não foram compositores, dos quais uma ínfima percentagem atingiu o grau da suprema maestria que os celebrizou ao longo dos séculos. Na maioria dos casos, para ter música obrigava-se a ser músico, ainda que limitado à execução de um instrumento, razão pela qual novos instrumentos surgiam, à medida que novas composições os exigiam. Peças inspiradoras, mais sensibilidade auditiva, ampliavam as possibilidades de evolução da arte musical, num mundo em que, além da sua escrita representativa, o som somente era gravado pela memória humana! Uma execução musical só podia ser ouvida uma única vez, podendo a mesma música não ser ouvida da mesma forma em apresentações posteriores. A eletrônica deu uma reviravolta na situação, possibilitando a gravação de sons para a posteridade, o que passou a permitir aos ausentes, a audição da primeira audição do som por meio de gravação. Daí em diante, a música executada passou a ser guardada, assim como se guardavam escritos, mas isso fez reduzir o interesse pelo estudo da música. A verdade é que o grande salto promovido pela tecnologia que, primeiro, trouxe o fonógrafo, principiou o fim da era da sensibilidade, dos ouvidos afinados com os sons mais suaves, do equilíbrio entre ritmos e sons derivados da arte e os mesmos derivados da natureza.
Vive-se, no momento, o auge da mediocridade musical, reforçada por artifícios a tentar encobrir sua fraqueza, mas que a massacram ainda mais, enquanto agridem ouvidos renitentes à vulgaridade sonora. Já a entrar no período momesco, este é um bom período para comparar o que se produz hoje e o que se produziu no passado. Ao contrário do passado, quando a música carnavalesca era mais diversificada, envolvendo grande número de compositores e de cantores, hoje ela se concentra nos ditos sambas enredo para as escolas a desfilar na Sapucaí-Rio. Quem tiver condições que ouça as composições atuais e as de anos anteriores, retroagindo até uns dez anos. Que as compare, em seguida. As mesmas frases musicais são repetidas em quase todas elas. A arte dá lugar ao artificialismo!
Da rua e do samba, entremos na igreja e ouçamos seus cânticos e hinos. A exemplo da música popular mais comercial, a música dita religiosa é também “horizontal”, uma sucessão de notas próximas umas das outras, repetidas numa monotonia enervante; não mais melodias inspiradoras a conduzir o fiel à introspecção, à meditação, ao enlevo espiritual, um oásis em meio ao tumulto diário da vida humana moderna. Sua amplificação, na igreja, sem os cuidados requeridos, torna-a mais desagradável, até irritante. Contudo, o pior é que as igrejas antigas, do período colonial, dispensam qualquer amplificação.
O formato dos templos católicos daquela época, a disposição dos seus altares e todo aquele trabalho esculpido não são apenas religiosidade, como também não somente a arte barroca e a rococó. Como não havia recursos eletrônicos de amplificação e distribuição do som, toda a arquitetura religiosa era voltada para que tudo fosse ouvido de forma mais igual possível, em todo seu interior, dispensando-se, pois, toda a parafernália eletrônica, então inexistente e que agora, como já se disse, longe de ajudar, atrapalha. O pregador tinha o púlpito no lugar mais adequado, para ser ouvido por todos e a música era executada no coro, de onde se espalhava de forma igual. Não se conhecia a moderna engenharia do som ou áudio, mas os construtores de então dominavam técnicas que possibilitavam propagação e distribuição sonora, de acordo com as necessidades, no interior das construções. O que se pratica atualmente, em termos de música, nas igrejas é um retrocesso! Falta nas ladainhas uma rogação em sentido reverso: maldita ignorância, afastai-vos de nós!