A discussão se esquenta, espalha-se e não se sabe em que vai dar; aliás, é isso mesmo que a maioria pergunta: em que vai dar essa coisa de inteligência artificial? A cada dia, novas plataformas, novos recursos, novas habilidades e o que virá amanhã? Embora, em circunstâncias e proporções diferentes, a corrida da inteligência artificial lembra-me outra, a espacial, em que norte-americanos e soviéticos, por alguns anos, disputaram a supremacia na conquista do espaço.
Ao contrário desta, em que boa parte do público participa, interagindo, experimentando e aplicando, na corrida espacial, éramos todos meros espectadores e, por vezes, curiosos e palpiteiros. Havia os que se benziam, horrorizados, a questionar a iniciativa humana, insuflada pelo demo: credo em cruz! Quando se ouvia dizer que o primeiro objetivo daquelas experiências era o pouso na lua, pessoas entravam em parafuso: mas, isso será o fim do mundo, gente! Misericórdia!
Tudo começou em 4 de outubro de 1957, durante o Ano Geofísico Internacional (1957/1958), por iniciativa da União Soviética, ao lançar o primeiro satélite artificial, denominado Sputnik. Os Estados Unidos desenvolviam programa similar e, naturalmente, se criam na vanguarda. Assim, o feito foi surpresa para todo o mundo. A Guerra Fria, disputa política que as duas superpotências travavam, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, ganhou então novo contorno. Se a Guerra Fria, antes era nas áreas política e militar, depois do Sputnik passou a ser também nas áreas da ciência e da tecnologia. Com isso, outro tipo de público entrou na discussão do assunto: quem dominaria o mundo? Nós, brasileiros, além dessas qustões internacionais, vivíamos a euforia da contagem regressiva para a inauguração de Brasília, que se realizaria no ano seguinte, 1960. Clima de euforia como aquele, só viveríamos sessenta anos mais tarde e antes que viesse um balde de água fria. Quanto ao clima político internacional, lembro-me de conversa, na qual fui ridicularizado. Entre uma aula e outra do antigo Científico, que então cursava, em 1959, quatro ou cinco colegas de classe comentávamos as últimas notícias. A bola da vez era Cuba, onde o poder fora conquistado a força por Fidel Castro, que se declarara comunista, portanto, afinado com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS. A coisa era quente, pois diante do nariz dos Estados Unidos, a poucos quilômetros de sua costa, o regime político-econômico, totalmente avesso à política norte-americana estava a se instalar. Estava na cara que o fato desaguaria em alguma confusão internacional e, em vista disso, aqueles estudantes já arriscavam palpites em torno de quem daria o primeiro tiro, se a bomba atômica seria usada, etc. Ouvi o debate por alguns instantes e disse: creio que o maior perigo de domínio do mundo está na China. O dito foi ouvido como se anedota fosse… e das mais cabeludas! Os rapazes riam a mais não poder: mas, a China? Ora, a China não tem nada, só gente, e, na miséria! E eu repliquei: Só gente e mais de um bilhão! Se aquele povo se levanta e dá um passo à frente…
Passados sessenta e quatro anos, não é preciso dizer que o passo foi dado e a China aí está a influenciar o mundo e fazer das suas, em todos os setores. Ainda assim, de acordo com carta aberta assinada por mais de mil personalidades do mundo das big tech, até especialistas em IA, “Devemos desenvolver mentes não-humanas que possam eventualmente superar em número, superar, obsoletas e nos substituir?” . Esta e outras perguntas, no mesmo tom, são feitas e, ao fim, os signatários propõem aos laboratórios de IA uma pausa de seis meses. Será que o perigo é mesmo real?
Consideremos dois relatos das Sagradas Escrituras. Lúcifer, antes Luzbel, o mais belo e poderoso anjo, caiu porque quis se igualar e superar a Deus. No plano terreno, Adão comeu do fruto proibido, seduzido pela serpente que o enganou, dizendo que se tornaria igual a Deus, se comesse. Os dois relatos ensinam que a criatura não pode se igualar e muito menos superar o seu criador. Da mesma fonte vem o ensinamento de que Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança. Daí conclui-se que a máquina jamais poderá dominar a humanidade! O perigo ainda está dentro da própria espécie!