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Ponto de Vista do Batista
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Canetas

Nylton Gomes Batista

Depois de termos nos ocupado do mata-borrão sobre o qual se discorreu, semana passada, é a vez da caneta, ou melhor, das canetas a tinta líquida, pois eram dois tipos: caneta com pena de molhar e caneta tinteiro, assim denominada por ser portadora de um depósito de tinta, recarregável. A primeira era constituída de uma pena (espécie de estilete metálico) montado numa haste, que podia ser de qualquer material, mas normalmente de madeira. Com esse tipo de caneta, havia que ter um tinteiro, ao lado, no qual se mergulhava a pena, assim ficava seca, depois de escrever algumas palavras; com a caneta tinteiro, a ida ao tinteiro só se fazia necessária depois de esgotada a tinta do reservatório. A pena de molhar era ligeiramente maior e formato um pouco diferente, mas, ambas, a partir de determinado ponto eram bifurcadas, mediante estreita fissura, até a extremidade do bico, que tinha contato com o papel. Pela fissura fluía a tinta.

No início dos anos 40, caneta tinteiro era um luxo, usufruído por muito poucos e desejado por todos. Na escola, talvez, uns dois a usassem. Entre as canetas tinteiro destacava-se a marca Parker, privilégio de um círculo bem menor de pessoas; era um sonho bem mais distante para usuários da caneta mais simples, a de molhar. Como se ainda fosse pouco, para açular usuários da caneta de molhar, foi lançada a Parker 51, considerada joia e suprassumo entre canetas tinteiro. Imagine-se possuir uma Parker 51, presente chique e o mais cobiçado, àquela época. Guardadas as devidas proporções, possuir uma Parker 51 presa no bolso do paletó seria como, hoje, ter um carro de luxo na garagem! 

Com a crescente diversidade e consequentes preços mais acessíveis, as canetas tinteiro chegaram a ganhar alguma popularidade até que, nos anos 50, surgiu a esferográfica, iniciando-se, então, não sem grande resistência, a queda da caneta tinteiro. Pouco usadas, é verdade, mas canetas tinteiro ainda existem e, entre elas, resiste a Parker 51, modelos diversos, dos quais o mais barato chega a custar quase dois salários-mínimos, e, o mais caro, acima de trinta mil reais. Por incrível que pareça, numa época em que prevalece a escrita totalmente mecanizada, há, no mercado, canetas ainda mais caras que a Parker 51!

 A era da caneta a tinta líquida coincidiu com a da letra primorosa, “bordada”, a verdadeira caligrafia. Depois da datilografia (entre menos cultos, dizia-se “tilografia”, “tilógrafo”), o talento mais buscado era a “boa letra”, entre candidatos iniciantes em escritório. Como meio de aprimoramento do talento, na escola havia exercícios de caligrafia, em caderno com pauta específica. Ambos os tipos das antigas canetas possibilitavam aos talentosos uma escrita elegante e agradável aos olhos. Ao contrário do lápis e da esferográfica, empunhados a gosto do usuário, por não exigirem uma posição específica, entre os dedos e sobre o papel, as canetas, ou melhor, as penas impõem posição única entre os dedos, polegar e indicador, apoiados no médio levemente dobrado. Dessa forma, traços ascendentes se fazem finos, por serem produzidos pela pena a deslizar de perfil, e, os descendentes se fazem cheios, pois ao descer a pena desliza de frente. Para se obterem traços ainda um pouco mais cheios, basta uma leve pressão sobre a pena. A caneta podia tornar a escrita mais bonita e agradável aos olhos, mas isso era, e ainda é, uma questão de talento de quem escrevia e não do instrumento utilizado, uma questão de arte e não de eficiência, razão pela qual a caneta saiu de cena, deixando lugar para a escrita mecanizada, começando pela máquina de escrever para chegar ao computador. Ambas as canetas deixaram de ser utilizadas, no dia a dia, pelo grande público, mas isso significa que tenham deixado de existir; eclipsaram-se, apenas, aos olhos da grande maioria.

 A caneta tinteiro, que encontra apreço entre colecionadores, é ainda utilizada por profissionais e executivos de destaque. No setor das artes visuais é a caneta de molhar apreciada e utilizada por artistas e calígrafos, cujos trabalhos, em seus detalhes mais delicados, dependem de intervenção específica, que só a caneta de molhar proporciona. A pena metálica, que redundou na criação das canetas, surgiu em meados do século 19 e deve o nome ao instrumento anterior, que era pena de ave, principalmente a de ganso.  Tais penas, demasiadamente frágeis, obrigavam-se a trocas, muitas vezes, com exagerada frequência, o que não inibiu à forte resistência contra a sua substituição pela pena metálica; resistência, que se manifestaria também, um século mais tarde, contra a esferográfica.

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