Falar de si próprio pode não ser politicamente correto ou ético, mas há ocasiões e circunstâncias em que a necessidade do reconhecimento do mérito em terceiros, seguido do gesto de agradecimento, se torna necessário evidenciar-se entre os demais. Há oito anos, depois de uma crise de bradicardia (baixa frequência cardíaca) e consequente implantação de marca-passo, consulto o médico, periodicamente, para avaliação do indispensável aparelho implantado em meu peito.
Desde maio último, estava com consulta agendada para o dia 30 de agosto, mas na manhã do dia 22, recebi ligação telefônica da secretária do médico, que informou não ser possível o atendimento na data agendada e, se possível, a consulta seria antecipada para o dia 23, ou seja, o dia seguinte. Aceitei, prontamente, e compareci conforme combinado. Ao ligar o equipamento e iniciar o procedimento de avaliação, o médico exclamou: – o senhor é um homem de sorte! – e completou: – o marca-passo está com a bateria a zero. Percebi que ele estava mais assustado que eu, o que se confirmou com a explicação: -marca-passo sem bateria e como carro sem gasolina; se o marca-passo para, o coração para também! Vou ter de interná-lo, pois o senhor não poderá voltar para casa com esse aparelho. Ele preencheu a guia de internação e me encaminhou para o hospital Vila da Serra a poucos metros de onde estávamos.
No Vila da Serra, cumpridos os trâmites burocráticos, que foram rápidos, fui levado direto para o CTI. Foi minha segunda experiência como paciente de um CTI, pois oito anos antes, dos quinze dias de internação no Biocor, onze foram no CTI. É aqui que entra uma das razões de registro das minhas impressões. Em ambas ocasiões minhas condições eram de tranquilidade, embora sob risco de morte súbita; não estava a sofrer dor, prostrado ou “de beiço caído”. Estava consciente, física e mentalmente capaz de observar, analisar e refletir sobre toda a cena que à volta de mim se desenrolava, pelo menos, nos momentos em que me mantinha acordado. Quem está cá fora ou internado como paciente, porém, em condições desfavoráveis, não tem como avaliar a grandeza do trabalho, que ali se desenvolve; não que outro tipo de trabalho tenha menor valor, mas as ações em prol da saúde e da vida humanas, além do conhecimento científico, da técnica profissional e disciplina, envolvem sentimentos de amor, solidariedade, muita paciência, gentileza e outros atributos necessários para o conforto do próximo, em momentos de sofrimento. Em poucas atividades se exige tanto do ser humano e em raros momentos ele é tão uno com seu semelhante. Daquele profissionalismo e toda atenção, conjugada com esforços para não falhar, dependem as vidas que lhes são confiadas! Percebe-se ainda que, dessa abnegação em prol da saúde e da vida, está imbuído todo o pessoal hospitalar, desde o mais credenciado profissional até o mais humilde colaborador.
É interessante observar que, por duas ocasiões, com intervalo de oito anos, eu, um estranho, embora consciente e livre de dor, estive sob risco de morte súbita e, por isso, entregue aos extremos cuidados de estranhos, em ambiente hospitalar. Por duas vezes, tive a oportunidade de me sentir amparado e reconduzido à plenitude da vida, sem perder a capacidade da observação e análise dos fatos, enquanto estes se desenvolviam mediante as ações de todo pessoal naquele abençoado ambiente. Acrescente-se o fato de a consulta, previamente agendada, ter sido antecipada em sete dias, por motivos em nada relacionados com ela. Que teria acontecido se não ocorresse a antecipação? A mente humana não é capaz de alcançar o verdadeiro significado de tudo que ocorre, mas também não pode descartar a possibilidade de um propósito oculto por trás dos fatos.
Paradoxalmente e por longo tempo, vive-se entre pessoas tidas como amigas, tendo-as a visitar a nossa casa, assim como nós as delas, sem, de longe, imaginar que elas um dia possam se levantar em campanha de difamação, mediante intrigas e mentiras com o propósito de macular nossa imagem. Vive-se uma vida de sessenta, setenta, oitenta anos, enganado pelos mais próximos, ditos “companheiros”, muitas vezes considerados como filhos ou irmãos, de repente revelados como víboras. Sob a intenção de ocupar espaço, inatingível por mérito próprio, não se vexam de violar a ética e princípios morais, para conseguir seu intento. Ao contrário, estranhos se desdobram em cuidados e carinho em prol de nossa saúde e de nossa vida, embora possam não ter nossa confiança, à primeira vista, sob outras circunstâncias.
Está aí também a razão pela qual esta coluna esteve ausente na edição passada.