Nylton Gomes Batista
Em nosso vasto universo, tudo tem seu momento e sua oportunidade. Não existe absolutamente nada que seja completamente inútil sob o sol ou em qualquer lugar. O que hoje parece destituído de significado pode, no futuro, adquirir relevância. Da mesma forma, o que está em alta agora pode, amanhã, cair em desuso. Essas reflexões me ocorrem quando observo a efêmera jabuticaba emergir da obscuridade para desempenhar um papel motivador em festas, mesmo que sua própria participação seja discreta. A jabuticaba sempre foi um símbolo de Cachoeira do Campo, cujos quintais se destacam pelas copas arredondadas das centenárias jabuticabeiras. As doces “pretinhas” sempre foram apreciadas, e antes mesmo de Cachoeira do Campo despertar para o desenvolvimento atual, elas eram motivo para visitas daqueles que partiram em busca de algo mais, algo que sua terra natal não podia oferecer. Além disso, a jabuticaba era uma curiosidade e extravagância da natureza, sem despertar interesse econômico significativo. Nas noites quentes, grupos se formavam para colher jabuticabas em quintais alheios, onde pareciam ainda mais saborosas do que as colhidas em nossos próprios terrenos. Ao retornarmos para casa, descobríamos que outros também haviam feito o mesmo em nosso quintal. No entanto, não havia cestas ou sacolas cheias. Cada um consumia diretamente da árvore o que conseguia, e no máximo, algumas jabuticabas eram guardadas nos bolsos como lembrança. Não havia depredação nem danos aos proprietários, e muito menos insultos ou agressões quando os “visitantes” eram pegos em flagrante. O comércio da fruta limitava-se à “venda temporária” das próprias árvores de jabuticaba, onde o comprador podia colher toda ou quase toda a produção de uma determinada árvore, facilitando a limpeza do quintal.
Hoje, porém, a cena mudou. A jabuticaba é disputada a tapas por jovens e adultos que invadem quintais, desafiando os donos com insultos e ameaças. O que conseguem furtar é vendido por até dois reais o litro, sem medir. A peculiaridade da jabuticabeira a torna uma extravagância da natureza. Entre o nascimento da muda e a produção das primeiras frutas, passam-se pelo menos dez anos. Sua aparência robusta e longevidade sugerem frutos resistentes e duráveis, mas a delicadeza está presente desde as minúsculas flores amarelas que envolvem o tronco e os galhos até as extremidades. Ao contrário de outras frutas que exigem sol, a jabuticaba dispensa essa condição e é mais saborosa quando amadurece com chuvas abundantes. Da floração à maturação completa, são apenas quarenta dias, e em até sete dias, as frutas azedam e caem. Depois de colhida, a jabuticaba não dura mais de vinte e quatro horas sem azedar. Em menos de cinquenta dos trezentos e sessenta e quatro dias do ano, a jabuticabeira oferece a beleza da floração, o desenvolvimento das continhas verdes e a conversão delas em frágeis e negros receptáculos do néctar tão apreciado, fechando o ciclo com o prazer de saborear a fruta. Tudo acontece rapidamente, mas sua importância permanece inalterada.
Observando uma jabuticabeira com atenção e considerando o que ela proporciona, percebemos que, em alguns aspectos, a vida humana a ela se assemelha. Assim como a jabuticabeira, nossa existência é marcada por momentos delicados, rápidos e significativos, que não podem ser subestimados. Uma vida pode se estender por oitenta, noventa anos ou mais, plena de realizações marcantes, porém a mais importante e crucial, talvez, não ocupe mais que breve momento e nem tenha visibilidade.
Com ligeiras alterações este texto é cópia de outro publicado em novembro de 1997, neste mesmo espaço, com a finalidade de marcar a atenção que, então, começava-se dar à fruta, mediante a Festa da Jabuticaba. Vinte e sete anos depois, surgem sinais de que daquela iniciativa podem resultar ações concretas e duradouras com vistas à preservação das jabuticabeiras, sem as quais não há jabuticaba e nem a sua festa. O Projeto Pérola Negra, anunciado pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Sustentável de Ouro Preto – CONDES, pode ser o início de algo, que se imagina há muito tempo, em proveito da comunidade, a partir de mais atenção e exploração em torno da tradição e do cultivo da jabuticabeira.