A Polícia Federal divulgou a lista de alvos monitorados pelo grupo, que tem nomes de políticos da cidade histórica, servidores públicos e especialistas em mineração
Marcos Delamore
Serra de Botafogo/ Imagem: Alexandre Guzanshe/ EM/ D.A.Press
Uma operação da Polícia Federal investiga um esquema bilionário de extração irregular de minério de ferro, corrupção e crimes ambientais em Minas Gerais. A comunidade da cidade histórica de Ouro Preto, no interior do estado, sofre com os impactos da mineração suspeita de ilegalidade.
Na última semana, a Operação Rejeitos revelou que o grupo investigado teria fraudado licenças ambientais para assegurar a continuidade de contratos e da mineração na Serra de Botafogo e na Serra do Curral. Entre os principais nomes para indiciamento estão o empresário Alan Cavalcante do Nascimento, o ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages, e o especialista em mineração Helder Adriano de Freitas.
A empresa Fleurs Global, responsável por tratar o minério de ferro, é apontada como o núcleo financeiro da organização criminosa. Outro grupo apontado no processo fraudulento de obtenção de licenças foi o Gute Sicht. Ele obteve uma autorização para exploração de minério usando uma certidão de dispensa de licenciamento ambiental que estava em nome de outra empresa.
Em Ouro Preto, a empresa Patrimônio Mineração, ligada aos investigados, está entre as instituições expostas no esquema. De acordo com documentos analisados pela PF, a mineradora é acusada de pagar R$ 500 mil em propina para explorar áreas protegidas e causar graves danos ambientais no município mineiro. Em março deste ano, uma gruta natural foi soterrada durante uma atividade da empresa na Serra de Botafogo, o que gerou a determinação de paralisação da empresa pela Justiça. O retorno da operação aconteceu em agosto deste ano, mas apenas após acordo de reparação assumido pela mineradora, com compensação financeira em torno de R$ 5,5 milhões junto à justiça.
Moradores da comunidade de Botafogo e ativistas ambientais, em Ouro Preto, relataram os danos ambientais causados, a exemplo da redução da oferta de água e do soterramento de cavidades naturais e históricas. “Sempre teve água. De uns anos para cá, por causa dessa mineração, a água diminuiu muito, muito mesmo”, destacou um morador. A entrada da mineradora na região foi divisiva, entretanto, com uma parcela da comunidade também ansiando por oportunidades de trabalho e prosperidade econômica.
O esquema
Considerado o maior esquema de corrupção no setor de mineração em Minas Gerais, o grupo movimentou mais de R$ 4 bilhões em cinco anos e poderia chegar a R$ 18 bilhões em exploração suspeita de ilegalidade. Para isso, os investigados aliciariam servidores públicos para conseguir liberações e autorizações ambientais fraudulentas.
O grupo era dividido em núcleos, sendo o principal nomeado como “Liderança”. Esse seria comandado pelo empresário Alan Cavalcante do Nascimento, líder da organização e encarregado de operações financeiras, o ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages, diretor de relações institucionais, e pelo especialista em mineração, Helder Adriano de Freitas, diretor operacional.
Já o núcleo de articulação, teria José Newton Kury de Oliveira Coelho, articulador jurídico, o ex-servidor da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), Danilo Vieira Júnior, e o ex-geógrafo do CREA-MG, Helder Adriano de Freitas. Eles estariam investidos das aproximações entre os empresários e os órgãos públicos.
Por fim, o núcleo de investidores se responsabilizaria por injetar dinheiro para dar aparência legal às empresas. Os investidores investigados são Luiz Alberto Fernando de Barros, considerado sócio-oculto, e Luiz Felipe Ribeiro Monteiro de Barros, gerente.
Segundo a investigação, os investigados criaram ao menos 42 empresas de fachada para ocultar a origem ilegal das movimentações financeiras feitas pela organização e para fazer o pagamento de propinas sem revelar os donos reais e quem eram os seus beneficiários.
PF divulga lista de alvos monitorados pelo grupo
Na edição do último domingo (21), o Fantástico, da Rede Globo, exibiu uma reportagem com detalhes do esquema de mineração bilionário em Minas Gerais. A matéria expôs uma lista de nomes de políticos, servidores públicos e especialistas em mineração das cidades históricas de Ouro Preto e de Itabirito, que seriam alvos monitorados pelo grupo envolvido no esquema. Entretanto, não há informações de qual seria o papel dos citados no documento.
Entre os nomes, sete são vereadores da Cidade Patrimônio Mundial, uma pessoa ligada à Prefeitura de Itabirito e outras de entidades religiosas, educacionais e associações de moradores.
A Câmara Municipal de Ouro Preto enviou a seguinte declaração:
“A Câmara Municipal de Ouro Preto, de forma institucional, nada tem a declarar acerca do documento apresentado na referida matéria sobre a Operação Rejeitos, visto que se trata de um documento apócrifo, pois não torna possível nenhum tipo de conclusão acerca das informações sobre sua origem ou quaisquer implicações.
Por fim, informa que, até o momento, a Câmara não foi acionada por nenhum órgão de investigação sobre os fatos narrados na referida reportagem”.
O Secretário Municipal de Meio Ambiente, Chiquinho de Assis, também reagiu à lista. “A gente está num momento de muito oportunismo, mas é importante dizer que internet não é terra sem lei. Aquela lista divulgada foi encontrada no computador de pessoas investigadas e traz nomes dos mais diversos: juízes, procuradora federal, padres, empresários, professores e membros do governo. É preciso atenção para não generalizar, porque muitos desses nomes, com toda certeza, vão tomar providências”, afirmou.
O mestre em Geociências pelo Departamento de Geologia da Universidade Federal de Ouro Preto, Du Evangelista, esclareceu versões que circulam nas redes sociais. “Eu atuo em defesa do meio ambiente e das populações, não porque estou sendo investigado. A verdade protegerá a comunidade e fortalecerá a nossa luta por justiça e meio ambiente. A lista não significa envolvimento em crime”, declarou.
O vereador de Itabirito, Anderson Martins (PL), reforçou que a lista de citados não implica na participação direta dos mencionados na organização criminosa. “O que a reportagem trouxe foi que a quadrilha queria, a qualquer custo, comprar influências. Não significa que essas pessoas estavam envolvidas”, disse.
Decisão da Justiça
Foram expedidos 79 mandados de busca e apreensão, além da prisão de 22 pessoas suspeitas de envolvimento com a organização criminosa, como Caio Mário Seabra, diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), Arthur Ferreira Rezende, diretor da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) e Rodrigo Gonçalves Franco, ex-presidente da Feam. Os acusados vão responder por corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, crimes ambientais e contra a ordem econômica.
A Justiça Federal deliberou o bloqueio de bens e contas e a suspensão das atividades de 42 empresas. Após a operação, a exploração da Serra de Botafogo foi interrompida.
O Liberal Inconfidentes entrou em contato com a assessoria da Patrimônio Mineração, mas até o fechamento desta matéria, não obteve posicionamento da empresa.