Imagens: João Zambom / Por: Marcos Delamore
Bruno H. Castro, autor de “A Benzedeira”, cuja narrativa está relacionada ao município de Ouro Preto, busca, com a venda dos exemplares do livro, financiar um longa-metragem em animação 2D da obra literária
Infância, dores de cabeça, jornalismo, cinema, manifestações religiosas, benzedeira e Ouro Preto. Esses elementos se reúnem na narrativa de “A Benzedeira”, a nova obra literária de Bruno H. Castro, inspirada na literatura de Guimarães Rosa e no cordel, e que traz um relato pessoal do escritor, de seu encontro com uma benzedeira.
O livro “A Benzedeira” tem origem na relação de Bruno com a Dona Juvelina. Em um primeiro momento, Castro explica que era simplesmente para um ritual com rezas e um copo com água, para curar as fortes dores de cabeça, motivadas por enxaquecas, sentidas por ele. Depois, se tornou uma relação de amizade e amor, pela frequência com que frequentava a casa da benzedeira. De Dona Juvelina a “Vó preta”, de Bruno ao “poeta”, o livro descreve a vida do escritor e o seu convívio com uma das protagonistas de sua vida e da trama escrita pelo autor paulista.
De acordo com Bruno, o livro é um cumprimento a uma “profecia” feita por Dona Juvelina, que falava para ele que, um dia, “todo mundo ia ouvir nossas histórias”. A obra compõe a etapa inicial do projeto que busca financiamento coletivo para produção de um longa-metragem em animação 2D sobre essa história.
O Liberal: Como surgiu a inspiração para o livro “A Benzedeira” e porquê Guimarães Rosa?
Buno Castro: O livro surgiu como uma homenagem a Dona Juvelina, benzedeira da minha infância, ou “vó preta”, como ela me ensinou a chamá-la. Como eu tinha muita dor de cabeça, eu ia com muita frequência até a casa dela e a gente começou a desenvolver uma relação de amizade e de amor. Ela tinha um ritual muito interessante, com rezas e um frasco com água, que ela colocava na altura da minha cabeça, perto da testa. De repente, a água começava a borbulhar e a dor, instantaneamente, sumia. Eu era uma criança, via aquilo, e ficava um pouco fascinado. Eu via umas manifestações de fé muito interessantes e situações muito intensas de fé. E ela me contava muitas histórias. E, nisso, eu sentia que ela falava que eu tinha o sol na cabeça e que eu gostava de contar a história, de ouvir história, de contar minhas histórias também. Eu era muito criança e ela falava que, um dia, todo mundo ia ouvir nossas histórias. Um dia o mundo, todo mundo ia ouvir nossas histórias. Então eu sinto que, com “A Benzedeira”, eu estou cumprindo com uma profecia dela. E aí depois de um tempo, eu me descobri como roteirista. Nesse meio tempo, eu me apaixonei muito pela literatura do Guimarães Rosa e pela narrativa sertaneja, que ele traz e que me fez reconectar com a minha. Quando li Guimarães Rosa, entendi essa fantasia, não essa literatura que olha pro sertanejo, porque eu me distanciei muito da minha vida no interior, quando eu saí de Barbosa, porque eu não me enxergava muito lá. Eu queria sair daquilo muito rápido. Eu queria ir para cidade grande, eu queria vir para São Paulo, eu queria ir morar fora do país. Eu tinha uma coisa que eu queria ir para o mundo. Quando li “Grande Sertão e Veredas”, me reconectei e vi uma beleza de novo. Entendi que Guimarães Rosa ele vê toda beleza na pessoa. Que toda pessoa é um universo inteiro, que toda pessoa carrega toda uma filosofia, carrega toda uma poesia. Eu me lembrei da Dona Juvelina e falei: “Uau, a Dona Jovelina é uma personagem de Guimarães Rosa”. No Teatro Oficina, em 2015, assistindo a uma peça, eu pensei: “Meu Deus, eu tenho um filme aqui. Eu tenho uma mulher que eu consigo fazer um filme”. Desde então, eu comecei essa saga.
OL: E como Ouro Preto entra nessa história?
BC: Morando nos Estados Unidos, eu descobri, numa pós-graduação em Stanford, que tinha um curso de cultura oral e literatura afro-brasileira, que o foco era Guimarães Rosa, e era ministrada por Marília Librandi. A Marília estuda culturas orais, literatura afro-brasileira e a formação do país. Em 2017, eu entreguei o primeiro argumento do filme “A Benzedeira”, e que eu gostaria de abordar Minas Gerais, por conta do Guimarães Rosa. Então, eu tinha pensado em Cordisburgo, Três Marias, mas Ouro Preto ainda não. Decidi escolher Ouro Preto, pela história de riqueza e de exploração, e por resumir a base do Brasil. A riqueza e o sofrimento, advindo da exploração, é o que o Brasil vive até hoje. Foi uma pesquisa intensa sobre a cultura popular negra que me fez ambientar a Ouro Preto. A história do livro precisava caminhar para um local cujas raízes são da cultura popular preta. Eu quero ir para Ouro Preto para conversar, escutar histórias, fazer oficinas de roteiros e mesas de cinema. O próximo passo do roteiro é ir para Ouro Preto. A mensagem é de que eu quero muito escrever o roteiro a partir de Ouro Preto.
OL: Como foi escolha pela escrita em cordel?
BC: O cordel me traz a brasilidade crua, o fascínio pela oralidade, que é a base da sociedade brasileira. E o cordel é uma das primeiras tentativas que a gente tem de se imprimir, de se guardar, de se registrar isso. Eu acho que tem uma poesia interessante do cordel, ser esse guardião de memórias, esse guardião de histórias, ele é um facilitador de se passar a poesia adiante. Pelo filme ter essa linguagem sertaneja e se passar no sertão, eu achei que seria uma ótima poesia. Achei que faria sentido ser em cordel, pela necessidade de ser a primeira coisa física de “A Benzedeira”. Eu acho que essa completa poesia de onde o filme se realiza no cinema, ele ser visto, inicialmente, pela primeira vez, como formato de cordel. Porque uma coisa que acontece toda oral e mas quando ele tá registrado, ele tá registrado no formato de cordel, acho que remete a um Brasil mais antigo, um Brasil mais cru, um Brasil artístico, poético e há uma literatura, que é linda, que é belíssima também esteticamente. Eu acho que fez todo o sentido para o que o projeto representa.
OL: E sobre o financiamento de “A Benzedeira” em um longa-metragem de animação?
BC: o que eu fiz com a Marília, é sobre a poética da escuta, e por isso preciso ir para Ouro Preto escutar histórias. Eu vou fazer oficinas de escuta para escrever o roteiro. Museus, Prefeitura, jornais, rádios, quem quiser bater um papo, quem quiser conversar, eu quero ir até Ouro Preto para isso. Porque a parte daqui, do interior, eu tenho, mas a parte histórica daí, das culturas negras, das benzedeiras vai enriquecer muito o filme, eu preciso muito dessas histórias daí. Eu ainda estou pagando a impressão dos cordeis, estou pagando o lançamento. Ainda não tenho um valor para investir no filme. O filme ainda tá começando. Enfim, eu ainda estou lançando. Imagina assim, eu coloquei a semente debaixo da terra. Falando com você, eu estou começando a jogar água em cima dessa semente. Eu tô realmente no começo. Esse é um projeto que ele tem o tempo dele. Se eu levei 10 anos para ter esse primeiro texto de argumento, eu não sei em quantos anos eu vou ter esse filme. E eu tô respeitando o tempo dele. Se ele teve esse tempo agora, pode ser que ele saia, pode ser que chegue alguém de Ouro Preto e fale: “O filme custa quanto? Vou te pagar e eu faço esse filme ainda neste ano”. Pode ser que ele leve mais 10 anos para acontecer, mas eu, sinceramente, por enquanto, assim, estou respeitando o tempo dele. A venda do livro, no Brasil, foi até uma curiosidade. Eu fiz o lançamento de “A Benzedeira” na Academia Brasileira de Letras (ABL). Eu vou vender um livro de cordel para financiar um filme de animação. Esse projeto está se apresentando às pessoas que precisam conhecer esse projeto. Eu já tive um momento de muita ansiedade com esse projeto. Agora, ele está chegando às pessoas, está saindo em jornais e, esses jornais, estão me trazendo outras pessoas. Eu ainda não tenho e estou longe de ter o dinheiro para o filme. Filme é caro, caríssimo. Para essa pré-produção, preciso de mais de R$ 150.000 para levantar uma pré-produção do filme. Então assim, pré-produção, que não é nada, realmente não é nada. Eu não estou com pressa para esse filme. “A Benzedeira” tem o tempo dela. Eu levei 10 anos para ter um primeiro texto, para ter o cordel. Para ter uma longa de animação, vai demorar um pouquinho. Mas, se Deus quiser, isso vai sair o quanto antes. Tomara que saia mais rápido. Eu estou confiando no tempo das coisas. Eu estou muito confiante com “A Benzedeira”. Eu estou sentindo que as coisas estão fluindo e eu estou fazendo com confiança. Tomara que os caminhos se abram.
OL: Pretende um lançamento em Ouro Preto?
BC: Eu quero fazer o lançamento em Ouro Preto. Seria muito legal. Eu estou aberto para fazer o lançamento em Ouro Preto. Rolou a conversa com um museu de Ouro Preto, que a gente já conversou há algum tempo. Eu falei do projeto, quando eu lancei na ABL, e eles me chamaram para ir fazer o lançamento em Ouro Preto. A gente voltou a falar sobre isso, na semana passada, e nos encontramos em São Paulo. Vamos fazer isso acontecer, porque eu quero ir. Teve a conversa e eu estou muito interessado. Deu certo, eu estou em Ouro Preto no dia seguinte.
OL: Produções e novos projetos.
BC: Boa parte do meu trabalho foi voltado, até hoje, à comunidade LGBT, e Guimarães Rosa tem uma participação na minha vida pessoal, na minha descoberta como pessoa da comunidade LGBT, como pessoa gay. Quando eu li “Grande Sertão e Veredas” foi muito intenso perceber a sensação de amor no livro. Eu falei: “Os caras estão no meio de uma guerra e tão sentindo amor. E eu tô aqui em São Paulo, no ambiente livre. Porque eu não posso amar outro cara? O que que tá me impedindo de ser o que eu sou? E foi a hora em que eu entendi que o Guimarães Rosa permitiu que eu visse uma possibilidade de amor junto de tudo aquilo que eu tava me entendendo com a história do meu passado e me aceitando ser o que eu era, ele também fez com que eu aceitasse a minha sexualidade. Isso foi muito interessante, que Guimarães Rosa fez foi muito importante para minha aceitação sexual, para minha libertação. A partir disso, eu já fiz o meu primeiro projeto de Cordel que é a “Lampioa”, o meu primeiro trabalho em Cordel, foi voltado para comunidade de LGBT. Em seguida, a gente fez uma outra coletânea de literatura infantil que foi a “Amar”, também para falar sobre o amor, sobre a diversidade do amor, sobre a aceitação do amor em todas as suas esferas, e que o amor é livre. A gente fez muitas divulgações em escolas do Estado de São Paulo. Foi um projeto bonito. O “Sangro”, que é um projeto mais aberto, mas é uma confissão, em primeira pessoa, de um homem gay que se descobriu vivendo com HIV e achou que aquele era o fim da vida dele. Mas o que ele entendeu, na verdade, que aquele era um começo de aceitação de vida dele. “A Metade de Nós”, que também é o meu primeiro longa-metragem, é um pai e uma mãe que perdem o primeiro filho. E esse pai vai para o apartamento desse filho. E, esse pai, que está tentando entender a mãe, faz um outro caminho e vai para o apartamento do filho e para entender quais foram as motivações do suicídio desse filho. Nisso, ele conhece o vizinho do filho, busca entender se esse filho era namorado desse vizinho e começa a ter uma coisa mais freudiana, de pai e filho, mas eles caem numa relação sexual. Então assim, é o que eu sou, meu trabalho sempre vai refletir o que eu sou. Eu sou uma pessoa LGBT. Eu reflito o que eu sou. Então, meus trabalhos tem isso, sempre refletem o que sou. Claro, claro que eu faço outras coisas, tenho projetos com outras pessoas que eu reflito outras histórias. Mas é uma questão que volta porque é o universo onde eu tô inserido. Em “A Benzedeira”, não teve isso. Eu fui para um outro universo. Mas, sim, o Guimarães Rosa foi um dos um dos fatores que me fizeram ver que estava tudo bem. Guimarães Rosa que me fez entender que o amor é só amor e só ama, só ama. Se permita amar. Foi nesse caminho. A minha ideia é começar a trabalhar como escritor e roteirista, fazer essas duas coisas em paralelo. E nisso eu estou preparando meu primeiro romance. Já faz um tempo que eu estou escrevendo, já tem em torno de um ano e três meses e estou finalizando a primeira parte do romance.
OL: Quem é Bruno H. Castro?
BC: Eu estou entendendo que eu sou um artista saindo do ninho. Um artista tomando coragem para falar para todo mundo que eu sou artista. Estou testando linguagens e dando as caras. Eu sou artista, sou artista e sou artista. Acho que é a melhor definição. Não vou me alongar muito não. Bruno H. Castro é natural de Barbosa, cidade do interior do estado de São Paulo. Formado em jornalismo, mas com uma paixão nunca escondida pelo cinema, o então estudante de comunicação, em meio a tantas dores e dramas pessoais, descobriu o caminho que gostaria de trilhar e percebeu que a sua veia era realmente artística, com traços para o audiovisual e a cinematografia. Todo o processo de autoconhecimento, das tentativas de libertação da enxaqueca e da busca pela construção de uma vida alicerçada pelo cinema começou no seu último período da faculdade de jornalismo, na Cásper Líbero. Em fase final da graduação, surgiu o interesse em produzir sua primeira elaboração, que foi um documentário, o qual ele entregaria como o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), sobre os cinquenta anos do Teatro Oficina, criado por Zé Celso. Durante esse período, conheceu o diretor e ator brasileiro José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, de quem surgiria o convite para participar das filmagens das peças “Bandidos”, em 2008, e “Bacantes”, em 2009. A partir dali, o Bruno, do interior paulista, caminhava para se tornar o Bruno, de hoje, conhecido como roteirista, diretor e produtor executivo brasileiro.