Imagens: Acervo pessoal / Por: Marcos Delamore
“A minha proposta é a de tentar devolver, para essa juventude, o direito de sonhar”.
O poeta, escritor, artista e Mestre de Cerimônia (MC), Júnio Ricardo Guimarães, foi homenageado em uma sessão solene, realizada no dia 8 de agosto, na Biblioteca Pública Municipal de Ouro Preto. Juntamente a outras personalidades da cidade histórica, o autor teve seu nome incorporado à Galeria de Escritores Beatriz Brandão, que reconhece autores que contribuíram para a literatura da região. Confira a vida e as obras do autor que fez das ruas, poesia.
O LIBERAL: Conte-nos um pouco de quem é o Júnio Ricardo e de como ele se denomina.
JÚNIO RICARDO: Meu nome é Júnio Ricardo Guimarães, sou natural de Cachoeira do Campo, em Ouro Preto. O Júnior é um moleque sonhador. O moleque de 9 anos que escutou da professora que ele era burro e não ia ser ninguém. Continuo sendo o mesmo Júnior, sonhador. Eu tô procurando dar vazão aos meus sonhos para eles acontecerem. Já aconteceram vários, mas tem muito ainda para acontecer. Eu creio nisso e vou em busca disso. Mas é um moleque sonhador. O Júnior é um moleque sonhador.
OL: Como se deu esse primeiro contato com a escrita?
JR: Desde pequeno, eu já tinha uma paixão pela escrita e pelos livros. Minha mãe gostava muito de ler e ensinou isso para a gente. Foi quando eu me deparei com a escrita do Sérgio Vaz e disse que queria ser igual a ele. Gostava de escrever alguma coisa, mas eu gostava de histórias. Eu escutava histórias e queria criar as minhas histórias também. Então, escrevi e achava que estava escrevendo uma redação, porque não tinha o conhecimento. A informação não era igual hoje, que a gente tem informação na palma da mão. Antigamente, a gente não tinha isso. A primeira vez que eu tive a oportunidade de mostrar para uma pessoa que conhecia sobre a escrita foi para uma professora de Língua Portuguesa, que me explicava qual texto eu estava escrevendo. Eu já escrevia sem saber que era poesia.
Eu comecei a aprofundar, li Alessandro Buzo e Luiza Romão, e me apaixonei pela escrita e pelo Hip-Hop. O Hip-Hop, quando comecei a cantar, já era algo que me incentivava muito a escrever, pois é uma coisa muito pessoal, o rap é muito pessoal. Você canta aquilo que você está vivendo. Descobri que tinha esse tato para a escrita e me arrisquei como poeta.
OL: A Rua me fez Poeta, a primeira obra poética de JR.
JR: A Rua me fez Poeta é a seleção de algumas letras de rap minhas, que estavam paradas e que eu nunca tinha conseguido tirar do papel para cantar. Eu me preocupo com muito detalhezinho e acabava que não dava para cantar. Ficava aquela coisa muito extensa e que não conseguia colocar em cima do beat. Algumas eu consegui adaptar, outras não. São essas e outras poesias, que escrevi, como poesia mesmo, para publicar o livro. É um livro de poemas.
OL: Como surgiu a sua relação com o Hip-Hip? O que você retrata em suas letras?
JR: Comecei no hip-hop no início dos anos 2000, mas conheço a cultura desde 1993, através da dança. Em 1996, iniciei minha trajetória na música rap. Na época que eu comecei a cantar rap, uma coisa que me incomodava muito foi que a gente tinha muito espelho dos grupos de São Paulo. A gente queria, praticamente, cantar quase as mesmas coisas que eles. Não foi diferente comigo. No início, também fui dessa forma.
A nossa região é rica em tanta história. Eu quero narrar o que eu vivo, o que eu vejo. Aos poucos, comecei a colocar um pouquinho de Ouro Preto, Cachoeira do Campo e eu não consigo escrever sem citar os ocorridos da região.
É uma história tão rica que a gente tem e, às vezes, a gente se preocupa em só falar de favela. Não precisa ficar falando só disso também. Não temos o mesmo cotidiano de lá. Lá, o cotidiano é outro. São os mesmos problemas sociais, só muda os personagens. É a mesma coisa, mas só que é uma outra realidade. Então, é isso que eu tento trazer tanto para os meus raps como para minhas poesias, uma realidade que ocorre conosco, aqui.
OL: O que as suas letras buscam incentivar e ecoar para quem as ouve?
JR: De um tempo para cá, eu venho me propondo a escrever algo para essa juventude de hoje. Muitos se perdem e perdem a vontade de viver, de sonhar e buscar outros objetivos. Tudo é um processo, um processo que a gente tem que passar por ele. Então, a minha proposta é essa, de tentar devolver, para essa juventude, o direito de sonhar.
Eu quero, também, escrever sobre amor. Um amor verdadeiro. De pai para filho, de mãe para filho, de família, de marido para mulher, mulher para marido. A outra é sobre autoestima. A gente vê tanta gente, pelas ruas, cabisbaixa, com um olhar perdido no tempo. E por que não fazer uma poesia que fale alguma coisa para alertar essas pessoas? Eu acho que temos que ser um agente na vida das pessoas, de convencer as pessoas que o presente é para todos. Essa é a minha intenção.
OL: O que o rap representa na sua vida?
JR: O rap foi o divisor de água, foi a corda, foi a boia, o salva-vidas. Eu sempre quis ser o rap, eu não quis ser o melhor no rap, eu sempre quis ser o rap. Comecei a fazer uma coisa que eu gosto e voltei a estudar. Graduei em Ciências Políticas e História e pós-graduei em Administração Pública. Hoje, leciono aulas em escolas. Pelo viés da educação e do conhecimento, tento propagar a evolução na cabeça dessa juventude.
OL: Como você avalia e analisa o cenário do rap atual em Ouro Preto e em Minas Gerais?
JR: Hoje, eles têm um horizonte bem melhor do que o nosso da velha escola. Eles ampliaram. Eles cantam aquilo que eles sentem. Buscam narrar bem essa realidade. Tem um nome de Ouro Preto, o Tey Kida. Eu estava escutando as músicas dele e baixei as músicas. Outro dia, ele chegou para mim e falou assim: “Pô, velho, você salvou minha vida”. Falou assim comigo. Eu fico satisfeito com isso.
Desde que estou no rap, eu queria que o Hip-Hop, pelo menos em Ouro Preto, fosse reconhecido tanto como ou melhor do que a Inconfidência Mineira.
OL: Como você recebeu o anúncio da integração à Galeria de Escritores Beatriz Brandão?
JR: Para te falar a verdade, parece que a ficha nem caiu ainda. Quantas vezes eu passei na frente daquela galeria, na Biblioteca Municipal de Ouro Preto, e falei assim: “Pô, velho, eu queria ver a minha foto, aqui, um dia”. Eu pensava que não podia, mas me convenceram que a minha foto podia entrar ali. Estou muito feliz com tudo isso que está acontecendo. É algo muito bom receber esse anúncio. Estar estampado num lugar público que outras pessoas também podem te ter como uma inspiração, que você pode ser visto assim por muitas pessoas e as pessoas poderiam ter ciência do que você fez, da sua importância para a cidade.
OL: “Poesia de Contato: Do Contato pras Ruas”
JR: O projeto “Poesia de Contato” está relacionado aos contatos de celular. Eu mando, todos os dias, poesias curtas, pela manhã. Para retratar aquele momento, o dia. O que eu pensava era imprimir e colocar em um ponto de ônibus, rodoviária, espalhar pela cidade, para espalhar poesia. A minha intenção é espalhar poesia.
OL: Quais serão os próximos projetos de Júnio Ricardo?
JR: O meu próximo livro de poemas vai se chamar “Poesia de Quebrada”. Eu o dividi em quatro capítulos e, dentro desses quatro capítulos, um terá 18 poesias, o outro 17, 16 e o último 18 também. O outro projeto é um livro de crônicas, que irá se chamar “Na Mira e Na Margem”, relatando a fissura que tem entre o lado histórico e as periferias.
OL: O que você pode deixar de aprendizado para as futuras gerações do rap e da poesia e para as pessoas que se inspiram em você?
JR: O que eu tenho a dizer é compulsão pelo saber. A gente ter a consciência de que temos que estudar, temos que nos capacitar e buscar um futuro melhor.