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A guerra Russo-Ucraniana de 2022

Adriano Cerqueira
No dia 24 de fevereiro de 2022, tropas russas invadiram o território da Ucrânia, iniciando um conflito armado entre as duas nações. A invasão foi, de acordo com o governo Russo, para apoiar a decisão de duas províncias ucranianas de se separarem do país. Essas províncias são Lugansk e Donetsk, que se situam na fronteira com a Rússia, além de serem próximas da Crimeia, antiga província ucraniana que declarou sua independência em 2014. Portanto, o contexto relacionado com as alegações russas para a invasão militar neste ano são fundamentais para uma melhor compreensão do conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia.
Em 16 de março de 2014, após uma série de inciativas políticas objetivando sua separação total da Ucrânia, a província da Crimeia realizou um referendo no qual se indagava se o cidadão era a favor da independência da Crimeia e posterior anexação à federação russa. Com a participação de mais de 80%, 97% responderam sim. Com o resultado, o parlamento da Crimeia corroborou o resultado do referendo e em 18 de março de 2014 a autoproclamada República da Crimeia aderiu formalmente à Federação russa.
Em resposta ao separatismo da Crimeia, o presidente da Rússia na época, Putin, enviou tropas para a Crimeia para apoiar o seu separatismo. Essa ação militar foi invasiva e tanto a Ucrânia, como a União Europeia, mais os EUA reagiram contrariamente à ação militar, bem como ao separatismo da Crimeia. A reação foi na forma de sanções econômicas contra empresas e cidadãos russos. O Brasil, na época governado pela presidente Dilma Rousseff (PT), declarou-se neutro em relação a esse conflito.
Agora, em 2022, novamente Putin ordenou uma ação militar invasiva da Rússia contra a Ucrânia e que foi feita para, alegadamente, apoiar o separatismo de duas províncias da Ucrânia. A reação dos países da União Europeia e da OTAN também foi semelhante à de 2014, mas com maior intensidade nas sanções econômicas aplicadas. E, novamente, o Brasil, agora na presidência de Jair Bolsonaro (PL), assumiu uma posição de neutralidade, mesmo tendo votado contra a invasão no Conselho de Segurança da ONU e tendo prestado apoio humanitário para os ucranianos que quiserem sair do país e se refugiarem no Brasil.
As semelhanças observadas nos conflitos armados entre a Rússia e a Ucrânia de 2014 e 2022 necessitam de considerações históricas e geopolíticas para se alcançar um melhor entendimento do que está acontecendo.
Em primeiro lugar, o conflito entre e Rússia e a Ucrânia tem uma dimensão histórica, ou seja, ele não começou agora. Há razões étnicas e históricas que motivaram o desejo separatista da Ucrânia, em 1991, depois do colapso do regime totalitário socialista da União Soviética. O separatismo ucraniano nunca foi bem aceito pela Federação Russa, que surgiu depois do colapso soviético.
Em segundo lugar, a Ucrânia faz fronteira com países da União Europeia e, também, com países que integram a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), uma aliança militar feita após o encerramento da Segunda Grande Guerra e com o intuito de defender a Europa Central e Ocidental da ameaça da União Soviética, que, em resposta à OTAN, fez o Pacto de Varsóvia, uma aliança militar de países socialistas sob o comando da União Soviética. Logo, há um interesse geopolítico por parte da Rússia de impedir que a Ucrânia integre a OTAN, bem como se transforme em um país mais integrado com a União Europeia.
Em terceiro lugar, a Ucrânia é fundamental para que o gás russo seja levado até os países europeus, muito dependentes dessa energia fornecida pela Rússia.
Assim, é crucial para a Rússia que a Ucrânia se mantenha como aliada, e não como uma adversária de seus interesses.
Em quarto lugar, os países da União Europeia desejam uma Ucrânia independente da influência russa, pois assim eles se sentirão menos ameaçados militar e economicamente.
Em quinto lugar, os países integrantes da OTAN também desejam que a Ucrânia fique fora da influência russa, pelos mesmos motivos dos países da União Europeia. Isso explica por que, nas Américas, apenas Estados Unidos e Canadá reagiram por meio de sanções econômicas contra a ação militar da Rússia. E explica também por que os demais países americanos, Brasil entre eles, posicionaram-se em favor da volta de um entendimento entre Rússia e a Ucrânia, evitando as sanções econômicas, sendo que países como México e Argentina condenaram as sanções. Mas por que os países latino-americanos têm esse posicionamento?
Parte da resposta é geopolítica. Um conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia não tem um reflexo direto nas fronteiras desses países, ao contrário dos países europeus. Não há razão para os países latino-americanos reagirem agressivamente, pois não fazem parte de nenhuma aliança militar, como a da OTAN.
A outra parte da resposta é econômica. O maior risco da guerra russo-ucraniana para o Brasil e demais países latino-americanos é provocar uma recessão mundial, seja pela guerra em si, seja pelo efeito mundial das sanções econômicas aplicadas contra a Rússia. Afinal, a Rússia não é nenhuma Coréia do Norte (país economicamente insignificante para o comércio mundial). A Rússia, por outro lado, é uma potência econômica, especialmente na produção de energia, petróleo e fertilizantes, que é um insumo fundamental para o Brasil, que nas últimas décadas se consolidou como uma potência agrícola mundial.
*Cientista Político/Diretor de GIGA Instituto de Pesquisa
Professor de Relações Internacionais do IBMEC-MG
Professor de Administração Pública da UFOP

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