Imagem: Câmara Municipal de Itabirito / Victória Oliveira
A publicação do Decreto nº 12.686, de 17 de outubro de 2025, que institui a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva e cria a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva, provocou uma intensa onda de debates em todo o país. Desde então, profissionais da educação, famílias e entidades representativas têm se manifestado, divididos entre a defesa de uma inclusão mais ampla e o receio de retrocessos nas conquistas da Educação Especial.
Enquanto parte dos educadores considera a nova política um avanço por reforçar o direito à educação inclusiva, outro grupo alerta para possíveis impactos negativos sobre as escolas e instituições especializadas, entre elas, as APAEs, que há décadas atuam na formação e atendimento de pessoas com deficiência. O tema ganhou ainda mais destaque nas redes sociais, com a circulação de desinformação e fake news.
O que diz o decreto
O texto define que a inclusão de estudantes com deficiência deve ocorrer em classes e escolas comuns da rede regular, com o devido suporte pedagógico, adaptações e recursos necessários para garantir a permanência e a aprendizagem de todos. Entre os princípios apresentados estão o reconhecimento da educação como direito universal e público, a garantia de igualdade de oportunidades, a valorização da diversidade e o combate ao capacitismo e à discriminação.
A nova política também estabelece diretrizes de cooperação entre União, estados e municípios, e prevê a oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE) preferencialmente dentro das escolas comuns. Além disso, o decreto regulamenta o papel do profissional de apoio escolar, que deverá ter formação mínima definida, e cria a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva, responsável por coordenar a implementação da política, promover formações, articular e acompanhar as ações, de modo geral.
Na prática, o decreto busca integrar a Educação Especial à estrutura regular de ensino, substituindo o modelo segregado por um modelo de inclusão plena, o que, segundo o Ministério da Educação, não implica o fechamento das escolas especializadas, mas a ampliação do acesso ao ensino comum.
Fake news e desinformação
A publicação do decreto foi acompanhada de uma série de fake news nas redes sociais. Vídeos e mensagens afirmam, de forma incorreta, que o governo federal teria “decretado o fim das APAEs” e que todas as crianças com deficiência seriam obrigadas a deixar as escolas especializadas.
Em nota, o Ministério da Educação esclareceu que o decreto “não interfere nas atribuições e no financiamento das entidades filantrópicas e comunitárias atuantes na educação especial, como as APAEs, Pestalozzis e congêneres, que seguem garantidos.” Ainda assim, o tema permanece sensível, especialmente entre famílias e profissionais que temem os efeitos práticos da nova política.
A preocupação das APAEs
A Federação Nacional das APAEs (Fenapaes) manifestou-se oficialmente no dia 23 de outubro, por meio de um vídeo nas redes sociais e da Nota Técnica nº 03/2025. Em ambas as comunicações, a entidade expressa muita preocupação e descontentamento com o decreto.
Em nota, eles afirmam que: “A universalização da matrícula em classes comuns, pode ser lido e operacionalizado como imposição automática, convertendo preferência em exclusividade. O efeito provável é o estreitamento — quando não o esvaziamento — da alternativa legalmente assegurada, sobretudo das escolas especializadas, indispensável a estudantes que demandam apoio intensivo”.
O presidente da Fenapaes, Jarbas Feldner de Barros, reforçou em vídeo que ainda que “estamos tomando todas as medidas necessárias para garantir que esse decreto seja revogado, e, se de tudo não for possível, que a gente possa melhorá-lo em sua redação.”
Entre as preocupações apontadas pela Fenapaes estão ainda a possível sobrecarga das escolas regulares sem estrutura adequada, e o risco de uma inclusão de fachada, em que o aluno é inserido em turmas comuns sem receber o suporte necessário.
A federação também destacou que o novo decreto revoga o Decreto nº 7.611/2011, que tratava da distribuição de recursos do Fundeb, e que a nova norma não traz afirmações explícitas sobre o financiamento das escolas especializadas.
A realidade e a voz das APAEs locais
Em Itabirito, a APAE local, que existe há quase 50 anos, acompanha o debate com atenção e compartilha das preocupações da federação. A coordenadora Waldyra Salvador reforça que a instituição está alinhada ao posicionamento nacional das APAEs.
“A gente defende que os pais tenham o livre-arbítrio. No meu ponto de vista é um decreto muito impositivo, e os pais deveriam ter a opção de escolher a escola comum ou de uma escola especial”, afirmou. Ela explica também que muitas deficiências intelectuais acarretam um aprendizado comprometido, o que dificulta uma inclusão plena em escolas regulares.
“Não é que o governo vai proibir, mas entendemos que ele não vai mais oferecer recursos às APAEs, o que é uma forma de impedir o funcionamento”, completou, compartilhando a preocupação.
A fala reflete o sentimento de incerteza de muitas famílias e profissionais que temem perder um espaço de atendimento especializado, construído ao longo de décadas.
Vale lembrar que embora o foco do debate atual esteja na função educacional das APAEs, essas instituições vão além da sala de aula. Elas também oferecem, em diferentes frentes e contando com recursos distintos, serviços nas áreas da saúde, assistência social, psicologia e muito mais. Esse conjunto de atendimentos integrados é visto por especialistas como um dos grandes diferenciais das escolas especializadas, que desempenham um papel essencial na formação e no bem-estar dos alunos e de suas famílias.
Caminhos possíveis
Especialistas afirmam que a efetivação de uma política verdadeiramente inclusiva depende de formação adequada dos professores, financiamento estável, infraestrutura acessível e acompanhamento contínuo da implementação em todos os níveis de ensino.
A consolidação da inclusão se faz por meio de diálogo entre o poder público, as redes de ensino e as instituições especializadas, de modo que cada estudante possa ser atendido em sua singularidade, com respeito, autonomia e real oportunidade de aprender.