Imagem: Paulo Henrique @heroagencia
Por: Victória Oliveira
Itabirito ganhou, na última semana, mais uma obra que resgata as memórias e a identidade do município, com o lançamento do livro “Itabirito, uma História”, escrito pelo poeta e jornalista Thelmo Lins. O evento, realizado pela Prefeitura de Itabirito por meio da Secretaria de Patrimônio, Cultura e Turismo, aconteceu na Biblioteca Pública Municipal Diaulas de Azevedo e contou com a presença do autor, autoridades locais e representantes da comunidade.
Encomendada em 2022 como parte das comemorações do centenário de emancipação político-administrativa da cidade, a obra apresenta um panorama abrangente da trajetória itabiritense. A ideia era que o livro fosse lançado em 2023, mas, por questões ligadas à burocracia dos processos de licitação e ajustes no projeto editorial, o lançamento precisou ser adiado. Com o novo prazo, foi possível incluir atualizações no conteúdo e investir com mais cuidado na obra. Com base em pesquisas documentais, fotografias e depoimentos, o autor propõe uma leitura leve, mas fundamentada, que mergulha na formação histórica, cultural e econômica da cidade.
Para entender mais sobre o processo de criação da obra, os desafios da pesquisa e as descobertas ao longo do caminho, o jornal conversou com o autor do livro, o poeta e jornalista Thelmo Lins. Confira a seguir alguns trechos da entrevista:
O LIBERAL: Como foi receber esse convite para escrever o livro? Você aceitou de primeira ou foi um susto? O que sentiu?
Thelmo Lins: Eu fiquei realmente muito lisonjeado com o convite e, ao mesmo tempo, senti uma responsabilidade muito grande em fazer isso. Mas eu já tinha uma experiência anterior, de quando trabalhei na Prefeitura de Itabirito como assessor de imprensa, entre 1989 e 1996. No final do mandato do prefeito Geraldo Magno, lançamos um livro chamado “Itabirito, Minha Terra”. O senhor Olímpio Augusto havia deixado esse livro datilografado — ele foi um participante muito intenso da história da cidade — e, ao se aposentar, escreveu as memórias do que viveu, contando também um pouco da história do município. O livro não havia sido publicado, então eu e a historiadora Rogéria Malheiros fomos convocados pelo prefeito para concluir esse trabalho. Foi um trabalho realmente coletivo. Esse livro virou uma referência sobre a história da cidade, mas ele não era um livro de História; era um livro de memórias. Depois, outros autores de Itabirito, destaco Jarbas Nazaré e Ivacy Simões, também escreveram obras semelhantes. Mas ainda não havia um livro tão completo que abordasse o conjunto da história da cidade, com um caráter mais científico e menos memorialista. Queríamos um livro que relatasse fatos, então, tive muito cuidado de tratar a escrita como uma grande reportagem jornalística, buscar todas as comprovações, todos os documentos. Então, assim, é um livro que pode ser tomado como base para contar a história de Itabirito.
OL: Como foi lidar com os desafios no processo de escrita?
TL: O maior desafio foi,a quantidade de informação, triar essas informações e organizar de modo que respaldassem o que eu já conhecia sobre a cidade. Comecei a escrever o livro ainda no período pós-pandemia, então muitos lugares estavam fechados. Contei muito com acervos digitalizados de bibliotecas, museus e do Arquivo Público Mineiro, o que me ajudou bastante. Além disso, ao longo da vida, fui colecionando livros, revistas e artigos ligados a Itabirito, e, por ser jornalista, já tinha muito material guardado. Também comprei muita coisa em sebos. Outro desafio foi que eu não queria só contar a história, mas também associar Itabirito ao contexto de cada época. Então como contar isso tudo de uma maneira em que a leitura fosse tranquila para o público de hoje? Eu queria que a leitura fosse leve e ágil para o público atual, mas sem deixar de relatar os dados importantes. Cheguei a dizer para a Junia (Melillo, secretária de Patrimônio, Cultura e Turismo), que eu estava compondo um almanaque. Sempre gostei de almanaques, até colecionava o chamado Almanaque Abril Cultural, que trazia um panorama do que acontecia a cada ano, eu sempre gostei muito disso. Também tive o cuidado de incluir registros fotográficos próximos das informações, já que sou fotógrafo. Fiz verdadeiros mini tours por Itabirito, indo a igrejas, capelas… ou seja, também compus um acervo de imagens. Vale lembrar que a Prefeitura já possuía um acervo digital, já tinha desenvolvido um trabalho de pesquisa, o que ajudou muito.
OL: Há alguma parte dessa história que te surpreendeu?
TL: Algumas coisas foram uma grande novidade para mim. Uma coisa que me chamou muito atenção foi um trabalho chamado Carta Arqueológica de Itabirito, desenvolvido por um grupo de pesquisadores de Belo Horizonte. Eles encontraram vestígios arqueológicos — pinturas rupestres — na região datados de 410 d.C., os mais antigos registrados até hoje por esse levantamento. Isso me surpreendeu muito.
Outra coisa muito interessante veio de um trabalho do professor e historiador Moacir de Castro Maia, no livro Aredes: Recuperação Ambiental e Valorização de um Sítio Histórico Arqueológico (2016). Ele relata a história de Ângela, uma mulher escravizada que conseguiu comprar sua alforria e abrir seu próprio negócio. Historicamente, ela é a primeira empreendedora conhecida da história de Itabirito. Por ser negra e ligada ao festejo do Rosário, ela foi acusada de bruxaria e denunciada à Inquisição. O processo foi tão demorado que ela conseguiu sobreviver — mas certamente viveu com uma ‘espada na cabeça’, com essa ameaça por anos. Mas foi uma mulher de sucesso, que chegou a deixar patrimônio para a irmandade do Rosário e isso me surpreendeu muito.
E algo que já tinha noção, mas que o livro torna mais latente, é o fato de que a construção de Itabirito se deveu muito a sua sociedade extremamente solidária, colaborativa e cooperativa. a força da cooperação social em Itabirito. São muitos aspectos que talvez não sejam novidade para todos, mas que, juntos, surpreendem.
OL: Além dos materiais já descritos, o processo passou por muitas entrevistas?
TL: Sim, entrevistei muita gente. Mas percebi que, em muitas dessas entrevistas, havia mais versões do que fatos. Algumas eram inconsistentes, outras eram frutos de mitos, sem comprovação. Então fui muito criterioso nesse sentido: ou eu deixava que era ‘da boca’ de alguém, ou realmente não colocava.
Outra coisa, as enchentes e as trocas de administração fizeram com que muitos materiais se perdessem. Por sorte, eu já vinha colecionando muita coisa. Algumas pessoas foram muito generosas — como a família do Jarbas Nazaré, que doou um acervo belíssimo para o patrimônio da Prefeitura. Eles acharam que o material teria mais utilidade pública do que guardado em casa. Muitas fotos nem tinham identificação, mas foram incorporadas ao acervo municipal, como patrimônio do povo de Itabirito, para futuras pesquisas. Por outro lado, outras famílias não quiseram ceder ou nos receber. Então teve um pouco de tudo, e é muito triste porque acaba ficando parte da história faltando, mas eu tentei preencher da melhor maneira.
Outro ponto importante: eu não tive a pretensão de contar a história definitiva, mas sim uma história, por isso coloquei no título. É muito difícil abraçar tudo, então o livro é um recorte, o mais completo possível, mas é um recorte. Eu não fiquei entrando muito em fatos sobre figuras míticas da cidade, porque isso já foi feito por outros autores. Acho que a obra serve como um norte, mas também te seduz para que você tenha o interesse por outras leituras complementares.
OL: Qual a importância, para você, de preservar e divulgar a memória de Itabirito?
TL: Gostaria muito que todas as cidades tivessem esse cuidado de preservar a memória, seus casarões, sua história. Estamos próximos de Ouro Preto, mas muitas cidades não sabem que a maioria dos casarões e prédios históricos está sendo abandonada e destruída. Belo Horizonte, por exemplo, já perdeu muitos bens importantes. Se todas as cidades tivessem essa preocupação, seria maravilhoso.
Felizmente, Itabirito tem demonstrado esse cuidado. Está buscando a preservação do patrimônio histórico, tanto urbano quanto rural, mesmo com todas as dificuldades. No dia do lançamento do livro, foi anunciado que Itabirito finalmente vai ganhar seu museu. Já houve tentativas anteriores- nos anos 1970 e no início dos anos 2000-, mas agora parece que esse trabalho vai ser levado adiante.
Sou também músico, e uma vez fiz um álbum apenas com compositores de Itabirito. Um crítico, na época, comentou que, se todas as cidades registrassem a produção de seus compositores, isso seria muito importante para a música popular brasileira. Então eu acho que é um pouco disso no livro de Itabirito, espero que isso se desperte em outras cidades.
Imagem: Paulo Henrique @heroagencia