Imagem: Marcos Delamore / Marcos Delamore
A Prefeitura de Mariana e o escritório Pogust Goodhead, responsável pela ação coletiva contra a BHP, realizaram, nesta terça-feira (25), um encontro com os atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG). O evento ocorreu dias após o Tribunal Superior de Londres divulgar a sentença que condena, parcialmente, o grupo acionista da Samarco, pela maior tragédia socioambiental da história do Brasil, em novembro de 2015.
Durante o evento intitulado “Vitória da Justiça: Encontro com os atingidos pelo desastre da barragem de Fundão”, mais de 800 pessoas estiveram presentes na Arena Mariana para um momento de celebrar a decisão proferida pela Corte Inglesa que favorece os atingidos. O encontro contou com a presença do sócio do escritório Pogust Goodhead, Guy Robson, do sócio do escritório no Brasil, Felipe Hotta, dos advogados Bernardo Campomizzi e Cintia Ribeiro, do prefeito Juliano Duarte (PSB), do ex-prefeito de Mariana, Duarte Júnior (Republicanos), do prefeito de Naque, Robson de Sena Moreira (PDT), do presidente do CORIDOCE, José Roberto Gariff, de lideranças comunitárias e autoridades municipais.
Na ocasião, as autoridades jurídicas e municipais destacaram os desdobramentos do caso, as próximas etapas do julgamento na Corte Inglesa, os prazos para o pagamentos das indenizações e esclareceram que a expectativa é de que os interesses das mais de 620 mil pessoas, das empresas impactadas e dos municípios atingidos sejam atendidos e que eles tenham a devida reparação.
O atual prefeito de Mariana, Juliano Duarte, iniciou a reunião discursando sobre a decisão histórica. “Nós vencemos, nós ganhamos. Pela primeira vez, a BHP foi considerada culpada pelo rompimento da Barragem de Fundão. Mas precisamos nos manter firmes e unidos, porque as mineradoras vão tentar, de todas as formas, descredibilizar e desacreditar uma decisão favorável a nós”, disse.
Duarte Júnior, gestor municipal de Mariana à época da tragédia, ressaltou o cenário vivido pela cidade em 2015 e o modo como as pessoas foram afetadas. “Chegamos a ter 30% de desempregados e uma queda gigante de receita. Foi um período muito difícil. Cada pessoa que está presente aqui quer receber o seu direito. Querem saber se terão os seus direitos respeitados. Todos nós somos atingidos. Vocês saem daqui com a certeza de que tem algo a receber”, reiterou.
Guy Robson, advogado responsável por liderar a ação movida pelo município de Mariana contra o grupo BHP no Reino Unido, prestou esclarecimentos sobre os direitos dos atingidos. “Se alguém, no Brasil, aderiu a algum dos programas que foram oferecidos e teve uma cláusula de quitação, isso não tira a pessoa, automaticamente, da ação inglesa. Isso terá de ser, individualmente, analisado”, pontuou.
A moradora de Bento Rodrigues, Mônica dos Santos, celebrou a decisão como um marco para todos os atingidos. “Quando a Justiça Inglesa decidiu olhar para o nosso caso, ela fez mais do que aceitar um processo, ela nos devolveu um pedaço da nossa dignidade. Por muitas vezes, em nosso país, tentaram diminuir nossa dor, nos chamaram de exagerados. Tentaram transformar o crime em acidente. Mas, lá fora, alguém disse que isso importa, que essas vidas importam. Essa decisão é uma lembrança poderosa de que a lama não levou só casas, levou memórias, fotografias, festas de famílias e risadas de crianças”, expôs.
Para Letícia Oliveira, coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), são dez anos de luta, sofrimento e resistência. “Nós queríamos, desde o início, que as empresas fossem punidas e responsabilizadas. As mineradoras foram consideradas criminosas por causa do rompimento da barragem. Isso é resultado da luta, do esforço coletivo, de quem não desistiu e não vai desistir”, revelou.
Membro da Comissão de Atingidos de Bento Rodrigues, Mauro Silva destacou a realidade dos afetados pela atividade minerária ao longo da última década. “Hoje, como já foi dito, é uma data emblemática. Não tem como não voltar ao passado. Há dez anos e vinte dias, este local estava repleto de colchões, esperando que os atingidos de Bento chegassem. De lá para cá, foram vários dias de batalha, dez anos e vinte dias de batalha. Inúmeros processos judiciais, inúmeras propostas de acordo. Qualquer desdobramento que teve na ação inglesa refletiu, diretamente, nos desdobramentos propostos nas ações brasileiras. Bastava uma notícia sair na televisão e a resposta aqui era imediata, seja em acordo ou em manifestações. Até que, curiosamente, houve uma ação proposta pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) contra os municípios, inclusive Mariana, que é um município minerário e leva recursos para a União. O IBRAM atuando a favor de uma multinacional, de capital estrangeiro, e contra os municípios brasileiros e pessoas brasileiras “, expressou.

Representando a Câmara Municipal de Mariana, o vereador Roberto Cota, salientou o momento como histórico para o município. “A Câmara de Mariana, assim como todos os vereadores, está junto do nosso prefeito pelo bem da nossa comunidade e da nossa Mariana. Seguimos fortes e com resultados positivos”, articulou.
O presidente do CORIDOCE, José Roberto Gariff, expressou esperança para o futuro e para a decisão final do julgamento. “Os atingidos e os municípios sejam devidamente reparados. Esse tem que ser o futuro. O escritório inglês, com a Prefeitura de Mariana e as prefeituras das cidades atingidas de Minas Gerais e do Espírito Santo, e, principalmente, esses movimentos que representam, verdadeiramente, os atingidos, essa página na história do Brasil será virada, para que nunca mais aconteça e que todos os atingidos sejam devidamente reparados”, contou.
O Tribunal Superior de Londres, na Inglaterra, recebe as últimas audiências do caso, que abordaram os procedimentos para a segunda fase do processo da tragédia de Mariana na Justiça inglesa. Nessa próxima, prevista para outubro de 2026, serão avaliadas as dimensões dos danos causados pelo rompimento da barragem. Se o parecer for favorável aos atingidos, a Vale será responsabilizada a arcar com 50% do montante a ser pago. Somente em 2028, acontecerá a definição das indenizações individualizadas.
Segundo Guy Robson, a Alta Corte de Londres aplicou os parâmetros da lei brasileira para atribuir responsabilidade à mineradora e reconhecer que o desastre poderia ter sido evitado. “A juíza Finola O’Farrell ouviu especialistas brasileiros, em diversas áreas do Direito, e concluiu pela condenação da BHP e pela legitimidade dos municípios em ajuizar a ação na Inglaterra. Vencemos a primeira fase e seguimos para a segunda etapa do julgamento”, afirmou.
Ele ainda informou acerca dos pormenores do andamento do julgamento. “A segunda fase dos julgamentos diz respeito à dimensão dos danos causados. Ou seja, saberemos como os municípios, indivíduos, comunidades, empresas e instituições religiosas foram impactadas. Serão escolhidos clientes modelos, cerca de 25 pessoas que representariam e refletem, realmente e com maior variedade, os danos causados”, enfatizou Robson.
Os advogados Bernardo Campomizzi e Cintia Ribeiro, em 25 de novembro de 2015, foram instituídos para acompanhar os desdobramentos do desastre de Mariana. Para Cintia, conselheira seccional da OAB, a segunda fase dos julgamentos será desafiadora.
“Essa decisão histórica só foi possível graças a um trabalho coletivo. É um marco muito importante, mas ainda temos muitos desafios. Depois da decisão de responsabilidade, tem a fase de quantificação, do nexo de causalidade e será muito importante, nós, advogados e clientes, reunir provas para esse grande desafio que será a segunda fase”, narrou a advogada.

Em seguida, Bernardo Campomizzi demonstrou que a decisão do município de Mariana em não aceitar acordos foi crucial para a condenação do grupo BHP. “Houve uma pressão para escolher qual seria o destino de Mariana: se é lutar por justiça ou lutar por receber migalha? Incorporamos a vontade que sempre tivemos aqui, em Mariana, de que um dia fosse reconhecido por uma decisão judicial que quem causou o dano, tem que pagar”, manifestou.
O sócio do escritório no Brasil, Felipe Hotta, frisou que mais de dois mil advogados atuam, desde 2018, para articular e protocolar a ação coletiva na Corte Inglesa. “Tentaram apagar o que aconteceu no passado. Em dez anos, não teve uma decisão punindo o responsável pelo o que aconteceu em Mariana. Graças aos atingidos, aos municípios, às comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas, e ao MAB, que estiveram presentes em todos os lugares que foi preciso estar relembrando essa história, isso foi feito. Além de uma estratégia jurídica, foi necessária uma articulação política e social, que envolvia muitos membros e camadas da sociedade brasileira e internacional”, concluiu.
A expectativa dos advogados, acionistas e representantes dos municípios atingidos é de que a audiência de dezembro, realizada na Inglaterra, defina o calendário e os próximos passos do caso.