Parece mentira. Há pouco mais de um mês, a gente podia se encontrar, se abraçar, sair com as amigas e os amigos… A crise sanitária ocasionada pela pandemia do novo Coronavírus vem modificando nossos modos de ser e estar com o outro. Mais do que isso, revela problemas estruturais, sobretudo com relação ao governo federal (mais precisamente na figura do presidente) que nega a gravidade da situação, faz jogo com a liberação de verbas direcionadas aos trabalhadores informais, além de propor uma MP que permite às empresas o corte de até 100% dos salários de trabalhadores formais, por até dois meses. O que dizer da PEC do teto de gastos, que há pouco tempo limitou os gastos com a saúde e a educação? Poderíamos dizer também do processo de terceirização dos serviços de saúde e sanitários que acontecem em todo o país, o fechamento das Upas e tantas outras coisas…
A ausência de políticas públicas mais democráticas no campo da saúde, nos leva a questionar: Vidas importam? Se importam, quais vidas são dignas de luto? Quais mortes têm a capacidade de emocionar grande parte da população ou de chamar a atenção dos meios de comunicação?
Inicialmente, a maioria das pessoas que contraíram o novo Coronavírus integravam a parte rica da população mundial. Não à toa, os meios de comunicação, a todo momento, falam da situação devastadora em países considerados de primeiro mundo como Itália, Espanha e Estados Unidos. No Brasil, o número de contaminados testados já passam de milhares e de mortes são centenas. No entanto, a cobertura jornalística de grande parte da imprensa tende a privilegiar e a se espantar com os números de mortes e infectados da parte rica da população. Na economia, os esforços do governo federal, por exemplo, são quase que exclusivos a grandes empresários, multinacionais e bancos.
E os mais pobres? Como ficam? Como ficam os moradores das periferias do Brasil? Como ficam os pretos e pretas? Quais medidas protetivas destinadas à população indígena? Quais planos de ação estão sendo implementados para atender as demandas dos mais desprivilegiados? Qual a real situação dos países do continente africano, sobretudo da África subsaariana? E os países vizinhos? É como se a vida de pobres, pretos, latinos, indígenas e tantos outros não importassem para a parte rica do mundo. É como se nós não fossemos dignos de lágrimas. Como se o sofrimento de nossos pais, mães e irmãos não valessem nada para aqueles que estão no comando. É como se não tivéssemos nomes. Já parou para pensar nisso?
Um dos mitos do candomblé, diz que certo dia, Obaluaiyê, orixá da doença e da cura, caminhava pelo mundo, quando sentiu fome e pediu às pessoas de uma aldeia que lhe dessem comida e água. Assustadas com a figura dele, coberto, desde a cabeça até os pés, com palhas, expulsaram-no da aldeia. Obaluayiê, triste e angustiado, saiu do povoado e continuou caminhando. Durante este tempo, os dias esquentaram, o sol queimou plantações, as mulheres ficaram estéreis, as crianças cheias de varíola e os homens doentes. Acreditando que o desconhecido coberto de palha amaldiçoara o lugar, imploraram seu perdão e pediram que ele novamente pisasse na terra seca. Ainda com fome e sede, Obaluayiê atendeu ao pedido dos moradores do lugar e novamente entrou na aldeia, fazendo com que todo o mal acabasse. Então as pessoas o alimentaram e lhe deram de beber. Foi quando Obaluayiê disse que jamais negassem alimento e água a quem quer que fosse, tivesse a aparência que tivesse.
Esta passagem ensina que é preciso solidariedade entre as pessoas e responsabilidade dos gestores públicos, especialmente em tempos como este que vivemos. Afinal, é nossa força que move o município, o estado e o país. E se os governantes não nos enxergam como cidadãos dignos de atenção, devemos mostrar a eles que estamos atentos e que nós também somos Obaluaiyê.
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Errata: na última edição da coluna, erramos o nome de uma profissão. Pedimos desculpas a todos os “Guias de Turismo” pelo erro.
*Dú do Veloso – Coordenador Geral do Coletivo Outro Preto