O futuro do título de Patrimônio Cultural da Humanidade, concedido pela Unesco ao conjunto arquitetônica e paisagístico da Pampulha, está ameaçado pela não realização de compromissos assumidos com o órgão ONU, de saneamento da lagoa e restauração do Iate Clube, voltando ao desenho original de Oscar Niemeyer. É oportuno e urgente uma discussão sobre a questão. Realizador e visionário, Juscelino imaginou a Pampulha como um centro urbanístico para o lazer e o turismo da nova capital, que nascera do pioneirismo dos mineiros sob a inspiração da República recém instaurada e o lema positivista da “Ordem e do Progresso”.
Hoje, 75 anos depois, a Pampulha tem história, significados e simbolismos que a projetam, junto com Belo Horizonte, internacionalmente. Em articulação com a moldura natural da lagoa, Oscar Niemeyer implantou patrimônio excepcional, berço e marco da arquitetura modernista brasileira, e que encontrará expressão maior em Brasília, novamente pela ação futurista de Juscelino. Nos nossos dias, com sua clara vocação turística e cultural, com o título de Patrimônio Cultural da
Humanidade, da Unesco, a Pampulha é o sonho de Juscelino a que Niemeyer deu vida e expressão.
Inscrita na lista das excepcionais criações humanas, assim como Ouro Preto, Diamantina e o conjunto escultórico de Congonhas, dignas da proteção internacional pela singularidade e exemplaridade de seu patrimônio, atributos que lhe conferem a distinção de marco e referência, a Pampulha deve estar apta a cumprir uma nova trajetória, com o novo título e os investimentos comprometidos para a concessão do título.
É o próprio Niemeyer, arquiteto do IPHAN, que remete à Minas setecentista , em especial a Vila Rica, os referenciais de sua arquitetura, como o fizeram os modernistas que, sob a liderança de Mário Andrade, na famosa visita a Ouro Preto na Semana Santa de 1924, descobrem, “perdida entre montanhas”, uma cidade preservada, cidade-museu, irrequieta e irredentista, berço de poetas, heróis e mártires, cívica e cultural”. Mas com identidade própria. Lá também o movimento republicano buscou inspiração ideológica para superação da monarquia e encontrou os inconfidentes e Tiradentes. E será na Vila Rica que os modernistas descobrem as raízes de uma cultura original brasileira, no cinzel e nas curvas de Aleijadinho e na riqueza do surto artístico do Século XVIII.
Juscelino e Niemeyer se encontram na Pampulha e nos sentimentos profundos de autonomia e modernidade, de recusa da arquitetura convencional e funcionalista. E que contrastará com a linha reta do positivismo de Aarão Reis, que “se impõe sobre os relevos e as ondulações do seu sítio natural”. Niemeyer retoma, nas curvas que já se libertara, no Século Dezoito, do traçado retilíneo jesuítico das primeiras matrizes mineiras, em particular de ouro Preto, conforme ele revela em vários textos, uma aproximação com a natureza, a integração com o paisagismo, a lagoa, contidas na visão futurística de Juscelino.
“É à Pampulha, diz Niemeyer, que devemos o início da nossa arquitetura, voltada para a forma livre e criadora que até hoje a caracteriza”. Nos pilotis, balanços, lajes, nos vãos, na arquitetura escultórica, no Museu, se expressa o novo estilo. Portinari, Ceschiatti, Zamoisk, Paulo Werneck e Burle Marx, ampliam a excepcionalidade dos monumentos. Salvemos a Pampulha e seu título, que atraem turistas de todo o mundo que visitam também as cidades históricas de Minas.
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