Ouro Preto tem mais uma data importante para comemorar em 2020 além dos 300 anos da Capitania de Minas Gerais, criada em 1720 por Alvará do Governo Português: trata-se da inscrição da cidade na lista das cidades consideradas Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco/ONU, ocorrida em 1980. Este título incluiu Ouro Preto na importante lista de cidades e sítios urbanos ou naturais reconhecidamente portadores de excepcionalidades históricas, artísticas ou arquitetônicas. E que por sua raridade, exemplaridade ou singularidade, revelam a genialidade da criação humana ou da natureza e que merecem ser preservadas.
Uma placa, já envelhecida, na fachada da Câmara Municipal, na Praça Tiradentes, relembra a cerimônia de 21 de abril de 1980, quando o diretor-geral da Unesco, Amadou Mathar M’Bow, formalizou a declaração de Ouro Peto como Cidade Patrimônio Cultural da Humanidade, decisão tomada pelo Conselho do Patrimônio Mundial no dia 2 de setembro do ano anterior. Como conjunto urbano era o quarto a merecer o título, em todo o mundo. Presente também o secretário de Cultura do Ministério da Educação e Cultura, Aloísio Magalhães que, em entrevista, disse que “a partir de hoje Ouro Preto passa a ser reconhecida como cidade-monumento que se integra à cultura de todos os povos e, como tal, deve ser preservada”.
Não é função da Unesco dispor recursos financeiros para a preservação. A responsabilidade é do Governo Federal, que é signatário da Carta da Unesco e que assumiu o compromisso. A Unesco oferece pareceres técnicos, quando convidada e se dispõe a apoiar a busca de recursos junto a governos, instituições culturais e empresas. O título, como é amplamente reconhecido, torna a cidade conhecida internacionalmente e a ajuda a ser destino turístico nacional e internacional, o que, se bem explorado, pode representar riqueza excepcional, como ocorre com várias outras cidades no mundo contemporâneo. Mas a verdade é que Ouro Preto até hoje não explorou devidamente sua reputação com um programa de exploração turística compatível com sua excepcionalidade.
Apenas por duas vezes a Unesco patrocinou projetos para Ouro Preto: a primeira em 1969/70 quando contratou o arquiteto português Alfredo Viana de Lima para elaborar um programa de planejamento urbano, com proposta de preservação rigorosa do núcleo histórico e indicação de áreas de crescimento. O plano, com 11 volumes, não foi considerado pela Câmara de Vereadores e não teve a aceitação do então prefeito, Genival Ramalho. E hoje adorna armários do IPHAN. Posteriormente, por iniciativa do então governador Rondon Pacheco, em 1972, tentou-se implantar o Plano Viana de Lima com apoio técnico da Fundação João Pinheiro, o que também não ocorreu, por descaso das autoridades municipais.
Uma segunda tentativa ocorreu em 2003 quando a Unesco enviou a Ouro Preto missão chefiada pelo arquiteto dominicano Esteban Prieto, do ICOMOS (Internacional Council on Monuments and Sites) para verificar a conservação da cidade, objeto de várias denúncias quando à deterioração patrimonial O relatório elaborado considerou que havia ”acelerada descaracterização do patrimônio, com algumas situações “particularmente graves”, em processo assistido passivamente pelas autoridades Denunciou falta de fiscalização, falta de normas urbanas, trânsito caótico ocupação de áreas de risco, risco de incêndio. De lá para cá melhorou a proteção, o IPHAN se organizou mais, a Justiça e o Ministério Público passaram a ter efetiva ação de defesa, como determina Constituição de 1988. E a partir de 2004 criou o projeto Monumenta, que restaurou várias edificações, especialmente igrejas. Mas persistem algumas situações graves.
É importante lembrar que a proteção patrimonial de Ouro Preto decorre de atitudes antigas. “Descoberto” pelos modernistas na década de 1920, o seu acervo cultural foi visto como exemplar de uma “identidade nacional profunda”, e fonte de “raízes genuínas” de uma “autêntica civilização brasileira”. Foi declarada “Monumento Nacional” por Decreto-Federal assinado por Getúlio Vargas, em 1933. Em 1938 foi tombada pelo IPHAN pelo seu “Conjunto Arquitetônico e Paisagístico”, aplicando-se, doravante, o Decreto-Lei 25 que estipula critérios de preservação e penalidades para infratores. Hoje, Ouro Preto está ijscrita nos Livros de Tombos Histórico, Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico.
Os 40 anos do título deveriam ser comemorados com uma revisão histórica e crítica do que significou a luta da cidade por sua preservação e o que ainda precisa ser feito. E também o que deve ser feito para que a exploração turística seja efetiva riqueza para a sociedade, a geração de renda, trabalho e emprego, de maneira compatível com sua reputação e preservação.
*Jornalista e escritor (mwerkemas@uol.com.br)