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Os crimes das mineradoras e a cobiça pelo “Quadrilátero Ferrífero”

Mauro Werkema

O escândalo das mineradoras, agora revelado pela Polícia Federal, com a prisão de 15 exploradores e interdição de várias empresas, merece reflexão maior à luz da História de Minas, que tem sua origem e seu nome vindos da mineração, a princípio com ouro e diamante e hoje, especialmente, pelo minério de ferro, em volumes e proporções extraordinárias. Um episódio histórico, marcante e elucidativo, merece ser lembrado: refere-se ao professor Clodomiro de Oliveira, que foi diretor da Escola de Minas de Ouro Preto e secretário e ministro do governador e presidente Artur Bernardes, autor da frase “minério não dá duas safras”. Em 1934 Clodomiro publicou o livro “A concessão Itabira Iron”, em que se posiciona contra a expansão dos capitais ingleses em Itabira, onde já mineravam desde 1908. Bernardes reivindicava a implantação da siderurgia no Estado. Este livro foi relançado em 2023 pela Amig, Associação dos Municípios Mineradores, iniciativa de José Fernando Aparecido de Oliveira, seu ex-presidente.

A cobiça internacional já tem longa história que revela o quanto Minas Gerais, nos nossos dias, ainda vive a exploração de suas riquezas naturais, agora pelo crime organizado. Em 1910, o presidente dos EUA, Theodoro Roosevelt, realiza em Estocolmo um Congresso Internacional sobre Geologia e Mineração quando mundo se voltava para o uso intensivo do ferro. Nele compareceu Orville Derby, presidente da Comissão Geológica Nacional, que apresentou estudo com o título “O Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais”, elaborado pelo geólogo Luiz Felipe Gonzaga de Campos, professor da Escola de Minas. Dizia que em território de 7.000 km² estavam bilhões de toneladas de minério de ferro, de elevada qualidade, inclusive manganês, ainda a serem explorados, em territórios ao longo da Cordilheira do Espinhaço, rica em ferro e ouro.

Iniciou-se aí a corrida internacional pelo minério de Minas Gerais. Americanos, com várias empresas, compraram imensos territórios, em torno do Pico de Itabirito, a vasta da Velha Mina de Morro Velho, de BH a Itabirito, passando pela Serra do Curral. Em 1942, o Grupo Icomi, de Augusto Trajano Antunes, representante de capitais americanos no Brasil, começou a explorar o Pico de Itabirito, apesar de protestos e até tombamento, em 1966, pelo IPHAN. Compraram também as jazidas de Esmeril e Periquito, em Rio Piracicaba. Os franceses compraram imensas jazidas na região de Mariana e cidades vizinhas, incluindo as minas do Agudo e Alegria, criando as empresas Samarco e Samitri. Os alemães em Congonhas do Campo, em Sabará e Bonfim, e a do Córrego do Feijão, em Brumadinho. Ingleses ampliaram suas aquisições com as jazidas de Conceição, Cauê e Girão, em Itabira.

E muito mais ainda. Diz Clodomiro que a Morro Velho, pertencente à “The Saint Del Rei Mining Mining”, que operava em Nova Lima desde 1834, comprou vastas terras da Serra do Curral, que integra a Cordilheira do Espinhaço. Hoje cobiçada pelo seu teor ferrífero, embora tombada pelo IPHAN para sua proteção. Em 1974, com a mineradora MBR, do já citado Trajano Antunes, quase destrói a Serra, devastada do lado sul, após reação da opinião pública e o famoso artigo de Carlos Drummond de Andrade “Triste Horizonte”, que obteve larga repercussão. Drummond protestou também contra a destruição iniciada do Pico de Itabirito e a Serra do Cauê, em Itabira, hoje exterminada.

Hoje, é importante assinalar, a Vale, criada por Getúlio Vargas em 1942 após desapropriação dos capitais ingleses, é proprietária de tudo. E domina as ferrovias para transporte do minério, os portos de embarque marítimos e a frota de navios para os seus mercados mundo afora. E, segundo relatórios públicos, estimula mineradoras menores, fora da sua escala, através de empresa com est objetivo, para as quais fornece também tecnologias de exploração e transformação primária. A única exceção é a Anglo-American, em Conceição do Mato Dentro, que possui mineroduto de 529 km, até o Porto de Açu, no Rio.

A Cordilheira do Espinhaço, “espinha dorsal de Minas”, é nome dado pelo mineralogista alemão Barão de Schwege, em 1813, que já revelava sua riqueza mineral. E que foi a principal via de penetração dos bandeirantes nos anos finais do século Dezessete, orientando-se também pelo Rio das Velhas, que corre junto em vasta extensão. Nas duas vertentes, a Cordilheira é rica de minérios, especialmente no Quadrilátero Ferrífero. E desde 1996 a Lei Kandir desobrigou as mineradoras, de minério de ferro, ouro e semi-acabados minerais, de pagar o ICMS da exportação. Grande parte da elevada dívida de Minas decorre desta isenção.

Os diversos crimes das mineradoras, conforme a PF, são diversos. Mas o mais grave é a corrupção de órgãos do licenciamento e fiscalização e de funcionários públicos. Espera-se que Minas Gerais, órgãos ambientais e de controle, demais instituições públicas, Governo do Estado, Assembleia Legislativa, Ministério Público, Tribunal de Justiça do Estado, exerçam efetivas ações para conter os muitos crimes da mineração predatória e ilegal. É hoje a causa maior de Minas que precisa proteger seu rico solo e gerar benefícios pela sua exploração. E que não esqueçamos de Mariana e Brumadinho.

*Jornalista e historiador ([email protected])

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