O Liberal
Últimas Noticias
Carta aos Tempos
5 min

O Brasil e a arte de furtar como lembra Padre Vieira

Mauro Werkema*

Famoso por seus sermões, com os quais pregava aos fiéis, o jesuíta Antônio Vieira, que chegou ao Brasil em 1652 e morou no Maranhão e na Bahia, onde morreu em 1797, foi um crítico dos maus costumes que já apontava no Brasil desde então. Em 1743, publicou em Lisboa, escrito anos antes, “A arte de furtar”, em que já denuncia este perverso traço do caráter luso-brasileiro que, infelizmente, permanece muito atual. E apontava na má política, e suas artimanhas pelo poder, a causa de desvios éticos e morais. Vemos, portanto, que o furto é praga antiga no Brasil e os desvios de proventos de aposentados do INSS o demonstram, nestes nossos dias, de maneira estrondosa. E as estatísticas de roubos, desvios, falcatruas de toda espécie, e não só do crime organizado que toma conta de várias cidades do Brasil, assustam e prosperam. E, como mostra o livro de Vieira, é prática antiga e que, infelizmente, parece aumentar exponencialmente com as artimanhas da Internet.

 Já em 1745, o então rei de Portugal, dom João V, enviou ao Brasil um auditor para pesquisar causas da redução das remessas de ouro e diamantes. O diagnóstico do procurador real foi de que a missão era difícil, pois todos roubavam, das lavras à entrega final em Portugal. José Honório Rodrigues, eminente historiador mineiro, no seu famoso “Aspirações nacionais”, de 1960, vê na “corrupção administrativa e na inautenticidade do sistema representativo” uma “característica negativa tradicional brasileira”, entre outros atributos que conformam a personalidade nacional, desde a Colônia. Será, então, a corrupção um traço endêmico, inserido no “inconsciente coletivo”, expresso no “jeitinho brasileiro”, macunaímico, com raízes e explicações no campo da Antropologia e que, por circunstâncias singulares do atual momento, se tornou epidêmica?

Lembra-nos o Pare Vieira que a palavra corrupção é a junção de cor (coração) com ruptura. Significa corromper. Por isto seu alto poder corrosivo. Destrói pessoas, condutas, instituições. E tem caráter infeccioso e propagador. Desacredita, desrespeita, desmoraliza normas, desorganiza, rompe méritos e a prevalência da justiça de atos e condutas. E é viciante tanto quanto o entorpecente que inibe a consciência e reduz as defesas próprias da condição humana. Praga da fraqueza humana, doença da personalidade, esgarça o tecido social e enfraquece toda uma sociedade. Afasta os homens de bem, desumaniza e impede a evolução civilizatória, que pressupõe uma sociedade de normas de cidadania, de respeito ao patrimônio de todos e aos regulamentos que prescrevem o bem comum. É a barbárie.

Assusta a todos a dimensão da corrupção no Brasil. E com amplitude que está a exigir ações amplas e enérgicas, construindo caminhos para a prevalência da absoluta probidade dos agentes públicos de todos os escalões da República. Como também dos cidadãos, espertos, que se aproveitam dos desvios dos serviços estatais. Também não vemos possibilidade de reforma política, que possa restaurar a qualidade da representação parlamentar, nos municípios, Estados e Congresso Nacional. É tarefa complexa que exige refundação republicana, com novos padrões éticos, educacionais e culturais, libertando-se do conservadorismo anacrônico e impedindo a rapinagem. Mas será preciso partidos políticos verdadeiros, voltados para o interesse nacional, e não os atuais 35 partidos, dos quais em torno de 20 são agremiações de aluguel, de negócios e enriquecimento pessoal. É a triste verdade.

Aumenta a perplexidade na medida em que os números da roubalheira são revelados. Exposta a realidade, vê-se que o conluio da corrupção é imenso, uma coalizão que não será fácil desfazer. Foram roubados, segundo números recentes, desde 2019, cerca de 1.500 mil aposentados ou pensionistas que alegam, até agora, não terem autorizado descontos em seus proventos. E estão envolvidas nesta prática mais de 40 instituições, já apontadas pela Polícia Federal. Tal desvio contou com servidores públicos, do INSS, que está a exigir uma ampla devassa pois existem indícios que outros desvios podem estar ocorrendo. Calcula-se que podem chegar a R$ 6 bilhões os roubos que o governo federal terá que devolver, embora possa penhorar bens das instituições que se beneficiaram dos desvios.

Se acontecer a CPMI, resta-nos aguardar que não seja mera estratégica política do jogo entre governistas e oposição, mas que se apure responsabilidades e que ocorram punições exemplares. E que a Previdência Social brasileira, tão importante para milhares que vivem de seus proventos de aposentadoria, possam ser assegurados de que não estão sendo enganados e roubados por espertalhões que se aproveitam de desvios e fragilidades administrativas. E é justo desejar que este triste episódio sirva de lição para outros desvios que ocorrem neste imenso Brasil. E que estimulem ações enérgicas também contra o crime organizado, especialmente no Rio de Janeiro, onde assume proporções assustadoras.

*Jornalista (maurowerkema@gmail.com)

Todos os Direitos Reservados © 2025

Desenvolvido por Orni