Caso recuperemos a memória do 31 de dezembro de 2018, talvez ainda consigamos encontrar o vaguíssimo espírito de renovação e de esperança que gravitava entre nós, brasileiros acostumados a catástrofes e à resignada superação de seus efeitos. Era fim de ano, época de cultivar ilusões. Embora a meteorologia não previsse bons tempos – haja vista o fato consumado de que Bolsonaro já se elegera presidente desta república de bananas e, especialmente, de laranjas –, duvido que mesmo o mais apocalíptico dos profetas previra a menor parte do que até aqui já se sucedeu. Estamos sendo atropelados diariamente pelo improviso político, pelo vexame público e, menos figurativamente, pela lama da Vale.
O inventário das perdas é extenso, afinal enquanto os assassinos de Marielle Franco permanecem impunes (miliciana e potencialmente relacionados ao clã raivoso que habita os palácios da Alvorada e do Jaburu), Jean Wyllys abre mão de seu mandato para não ter o mesmo destino da vereadora – porque, não resta dúvida, sobram provas, ele teria; enquanto Lula vira mártir na cadeia, Dias Toffoli, de toga e mãos sujas de sangue, exerce seu cinismo superior federal e o impede de ir ao velório do irmão – colaborando, assim, uma vez mais, para a sólida e imponente construção da narrativa de preso político do ex-presidente; enquanto Aécio Neves e Michel Temer flanam livres em seus castelos e passeiam leves em suas carruagens – apesar das interceptações, dos helicópteros e das evidências que o judiciário, pacífica e harmoniosamente, insiste em não considerar –, Sérgio Moro, que até hoje não completou a muda vocal (ato falho de sua puberdade moral), muda de ideia, muito oportunamente, quanto à natureza do caixa 2.
Enquanto isso, Damares Alves e Ricardo Vélez continuam devastando a imagem dos professores, inflando o fantasma da ideologia de gênero e mamando a mamadeira de piroca. Ernesto Araújo, um embuste; Ricardo Salles, outro. E segue o alto escalão ladeira abaixo.
Ps.: agora que caiu e se sentiu traído – e depois de eu ter ouvido os áudios trocados com o “capitão”, principalmente depois de eu ter me sensibilizado com a maneira quase sensual com que ele o chamava de “ca-pi-tão” –, confesso que até senti uma certa simpatia pelo Gustavo Bibiano. Sei lá. Aconteceu. Veio de dentro. Uma ternurinha, tipo a do Manuel Bandeira pelo porquinho da Índia. Meu Bibi. Sei não. Foi assim. Acho que o Bibi foi minha primeira namorada.