Além dos 300 anos de criação da Capitania de Minas Gerais, ocorrida a 2 de dezembro de 1720, por ato do rei de Portugal, Dom João V, por solicitação do então governador, Dom Pedro de Almeida e Portugal, Conde de Assumar, Ouro Preto tem outras quatro datas importantes a comemorar, mesmo em meio à epidemia que não recomenda reuniões e aglomerações: 300 anos da execução do primeiro mártir, Felipe do Santos, ocorrida em 1720, o efetivo reconhecimento, neste mesmo ano, de Vila Rica, como a capital da nova capitania, a construção, em 1770, do Teatro Municipal, Casa da Ópera, exemplar valioso da arquitetura colonial luso-brasileira e o mais antigo teatro das Américas em funcionamento, e a concessão do título de Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco, o primeiro a ser concedido a uma cidade brasileira.
Felipe dos Santos, português de nascimento, mas há oito anos morador de Vila Rica, liderou manifesto contra a cobrança do quinto do ouro e a implantação das Casas de Fundição. Preso e executado por ordem do Conde de Assumar, passou à História de Minas como primeiro mártir da rebeldia dos habitantes de Minas contra a Coroa Portuguesa e sua ação opressora e exploradora da Capitania. Os mineiros, na Colônia, no Império e na implantação da República sempre foram rebeldes e libertários, com várias insurreições, a mais famosa a Inconfidência Mineira de 1788/89, conspiração de poetas, padres, militares e comerciantes, precursora da Independência de 1822, que levou Tiradentes à forca e ao degredo vários inconfidentes.
Uma placa, já envelhecida, na fachada da Câmara Municipal, na Praça Tiradentes, relembra a cerimônia de 21 de abril de 1980, quando o diretor-geral da Unesco, Amadou Mathar M’Bow, formalizou a declaração de Ouro Peto como Cidade Patrimônio Cultural da Humanidade, decisão tomada pelo Conselho do Patrimônio Mundial no dia 2 de setembro do ano anterior. Como conjunto urbano era o quarto a merecer o título, em todo o mundo, e o primeiro do Brasil. Presente também o secretário de Cultura do Ministério da Educação e Cultura, Aloísio Magalhães que, em entrevista, disse que “a partir de hoje Ouro Preto passa a ser reconhecida como cidade-monumento que se integra à cultura de todos os povos e, como tal, deve ser preservada”. É momento para uma avaliação do que o título representa para a tricentenária cidade, pois a verdade é que até hoje Ouro Preto não explorou devidamente sua reputação com um programa de organização e divulgação turística compatível com sua excepcionalidade e seu potencial para esta riqueza do mundo contemporâneo.
É significativo lembrar que a proteção patrimonial de Ouro Preto decorre de atitudes antigas. “Descoberto” pelos modernistas na década de 1920, que realizaram uma famosa viagem à cidade em 1924, seu acervo cultural foi visto como exemplar de uma “identidade nacional profunda”, e fonte de “raízes genuínas” de uma “autêntica civilização brasileira”. Foi declarada “Monumento Nacional” por Decreto-Federal assinado por Getúlio Vargas, em 1933. Em 1938 foi tombada pelo IPHAN pelo seu “Conjunto Arquitetônico e Paisagístico”, aplicando-se, doravante, o Decreto-Lei 25 que estipula critérios de preservação e penalidades para infratores. Hoje, Ouro Preto está inscrita nos Livros de Tombos, Histórico, Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico.
Apenas por duas vezes a Unesco patrocinou projetos para Ouro Preto: a primeira em 1969/70 quando contratou o arquiteto português Alfredo Viana de Lima para elaborar um programa de planejamento urbano, com proposta de preservação rigorosa do núcleo histórico e indicação de áreas de crescimento. O plano, com 11 volumes, não foi considerado pela Câmara de Vereadores e não teve a aceitação do então prefeito, Genival Ramalho. E hoje adorna armários do IPHAN. Posteriormente, por iniciativa do então governador Rondon Pacheco, em 1972, tentou-se implantar o Plano Viana de Lima com apoio técnico da Fundação João Pinheiro, o que também não ocorreu, por descaso das autoridades municipais, que julgavam o plano uma intervenção na vida ouro-pretana, devendo encontrar oposição por parte da população.
Em 1709, a Coroa Portuguesa criou a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, e o primeiro governador, Antônio Albuquerque, instalou-se por um bom tempo em Mariana, então Vila de N.S. do Carmo que, por isto, foi a capital de Minas de 1709 a 1720. O Conde de Assumar, com o movimento rebelde de 1720, que ameaçou sua vida e autoridade, refugiou-se em Vila Rica e efetivamente instalou o governo colonial na cidade, que foi capital de Minas até 1897, quando Belo Horizonte foi inaugurada. Por três anos Assumar permaneceu em Mariana, no casarão conhecido como Palácio de Assumar, contíguo à Igreja de São Francisco, na Praça Minas Gerais, em ruinas por muitos anos e que agora começou a ser restaurado com recursos do IPHAN.
O Teatro Municipal de Vila Rica, com o nome da Casa da Ópera, foi construído e inaugurado em 6 de junho de 1770, por iniciativa de João de Souza Lisboa. Em três pisos, abriga 300 pessoas, com frisas e galerias e camarins restaurados. No período colonial teve atuação contínua, abrigando óperas e oratórios e vários gêneros artísticos. Em dezembro de 1994 sediou a cerimônia de inauguração do Mercado Comum do Mercosul, com a presença dos presidentes do Brasil, Itamar Franco, da Argentina, Uruguai e Paraguai e observadores de toda a América Latina. Passou por várias restaurações, especialmente em 1993, com revisão de estruturas, troca do telado, paredes de pedra e suportes de ferro, revisão completa das instalações elétricas e requalificação completa dos camarins. Obras conduzidas pelo então Secretário de Obras Sérgio Queiroz e pela Diretora da Casa da Ópera Cláudia Malta .
Jornalista (mwerkema@uol.com.br)