Drummond, em Congonhas, perante o anfiteatro dos profetas de Aleijadinho, esculpidos ao tempo da Inconfidência de 1789, enxerga uma “assembleia insurgente”, em confabulação silenciosa sobre a “tragédia de Minas” e em contemplação ao “horizonte de montanhas” ricas de ferro. Hoje, ao lado, a maior barragem de rejeitos de minério é uma ameaça. Já antes, na sua Itabira, apontara, em poesia famosa, a exploração do minério de ferro que legou à cidade quatro barragens, uma delas, a do Pontal, no local onde estava a fazenda de sua família. Hoje, a Minas minerária, que inicia os ciclos históricos do “ouro ao ferro”, que lhe valeu a ocupação inaugural do seu território e o nome, esperamos que gere a consciência grave do quanto esta atividade pode ser trágica quando praticada com risco de vidas humanas e destruição de rios, matas e florestas.
Em Minas, “natureza e cultura” estão intimamente ligados à “geografia física e humana”, diz Miguel Wisnik. O solo mineral e as montanhas conformaram a sociedade e a personalidade dos mineiros ao longo de três séculos de história. Mas a outrora Vila Rica, a do esplendor do Ciclo do Ouro e do Barroco, ficou pobre e também tem barragem de rejeitos, assim como sua vizinha e irmã Mariana. Pelo minério, do ouro ao ferro, cobiçada pelo mundo, Minas poderia estar mais rica se tivesse sabido vender melhor sua herança natural, apontam os estudos da História Econômica. Hoje, quebrada, mas ainda em solo rico, Minas sente o ciclo dos desastres, Mariana e Brumadinho e muitas ameaças.
A História, mestra da vida, nos ensina muito sobre a tragédia mineira. Portugueses e ingleses levaram o ouro no Século XVIII. Dezoito grandes minas inglesas, nos Século XIX e XX, exploraram o ouro mineiro, já em escala industrial. Em 1911, em encontro internacional, em Estocolmo, patrocinado pelos EUA, sobre o ferro e a siderurgia nascentes, o geólogo da Escola de Minas de Ouro Preto, Gonzaga de Campos, apresentou ao mundo seu estudo sobre o Quadrilátero Ferrífero. Provocou corrida às jazidas de Minas: ingleses, alemães, americanos , franceses e belgas compraram imensas jazidas mas não investiram na siderurgia, como queria o nacionalista Artur Bernardes. Hoje, as minas são da Vale, criada em 1942 por Getúlio Vargas em transação com capitais ingleses em nome do esforço de guerra. A Vale, a maior do mundo, domina também a logística de transporte e exportação.
E exportou perto de 400 milhões de toneladas de minério e pelotas em 2018. Destes, 52% saem de Minas Gerais e o resto principalmente de Carajás, no Pará, que dobrará sua produção em dois anos. Minera ainda cobre, fertilizantes, níquel, manganês. A Lei Kandir, de 1996, retirou o imposto sobre exportação e Minas perdeu, até hoje, cerca de R$ 150 bilhões. E os municípios mineradores podem perder o royalty que era de 2% há dois anos e hoje é 3,5% do faturamento da Vale.
*Jornalista (mwerkema@uol.com.br)