Mauro Werkema*
A situação política brasileira nos impõe algumas reflexões muito atuais e fundamentais para que a história contemporânea do país possa alcançar um novo tempo de estabilidade, paz e prosperidade. A primeira delas é concordar em que a impunidade, a inação e as anistias amplas, conferidas a golpistas, que tentam subverter a ordem democrática e o estado de direito, legitimada pelas urnas livres, não levam à pacificação política e institucional que o Brasil precisa. O que é sobejamente demonstrado pela História do Brasil, desde a Proclamação da República, em 1889, feita por militares chefiados pelo marechal Deodoro da Fonseca e o general Hermes da Fonseca que, em novo golpe, assume a Presidência da República dois anos depois. A lista de golpes, em que se tentou uma “tutela militar sobre o país”, em 136 anos do período republicano, é longa.
À luz da História, portanto, a condenação representa maturidade institucional em um país que conviveu, muito recentemente, por 21 anos, com a ditatura militar, de 1964 a 1985. A punição aos golpistas reforça o mandamento constitucional de que o exercício do poder depende de respeito às urnas livres e da vontade da maioria. Reforça-se a verdade de que o fundamental princípio da democracia diz que o exercício do poder depende da livre consulta eleitoral e não da destruição das instituições. O Brasil, na interpretação histórica e política do momento, como comenta a imprensa internacional, face à sentença do STJ, é que o Brasil sinaliza que vive novo tempo de sua ordem democrática, essencial à construção de novo futuro de paz e prosperidade.
É importante relembrar, para plena consciência da verdade histórica e cívica, as inúmeras ocorrências do golpismo do Brasil: já de 1889 a 1930 foram vários episódios, como a presença do marechal Floriano Peixoto, a “Revolta da Armada”, a “Revolta da Vacina”, o “Tenentismo”, os “18 do Forte de Copacabana”. Getúlio Vargas, presidente pela Revolução de 1930, ditador em vários momentos, enfrentou a “Revolta Constitucionalista” paulista de 9 de julho de 1932. Enfrentou a Intentona Comunista de 1935 e, em 1937, decretou o Estado Novo, um golpe na institucionalidade. Foi deposto em 1945 quando militares decidiram encerrar o “Estado Novo” de Getúlio. Voltando à Presidência em 1950, cometeu suicídio em 1954 sob pressão dos ministros militares após o atentado contra Carlos Lacerda, no Rio, que matou um oficial da Aeronáutica. Juscelino, presidente eleito em 1955, enfrentou resistência dos militares para sua posse, e teve duas tentativas golpista, em Jacareaganga, em 1956, e Aragarças, em 1959, por oficiais da Aeronáutica. Foram anistiados por JK.
Jânio Quadros, eleito em 1960, renuncia após seis meses e João Goulart, seu vice, foi obrigado pelos militares a aceitar o parlamentarismo, em 1961, para tomar posse. E foi derrubado, por golpe militar, em 1964, quando assume o general Humberto Castelo Branco, sucedido por outros generais. E todos, líderes militares, e os acusados de torturas e mortes, foram todos anistiados. Apesar de a Comissão da verdade ter apurado inúmeros crimes, indicando vítimas e seus algozes. Nesta longa história surgiram, nas diversas tentativas de supressão da ordem constitucional, os nomes de golpistas antigos que se repetem desde os primeiros tempos da história republicana brasileira.
O fim da impunidade de golpistas será conquista histórica e cívica da ordem democrática, como esperam e celebram os brasileiros que buscam a estabilidade política e social e um novo tempo de prosperidade, mesmo em momento conturbado no mundo. E que impere, no Brasil, a lei e a ordem da Carta Cidadã de 1988. E que os militares se dediquem às suas missões institucionais e abandonem a visão deformada de que podem tutelar o Brasil em nome de uma deformada visão de que representam um “poder moderador”, acima da sociedade civil e do Direito Constitucional. E que o Brasil demonstre, para sempre, que o golpismo, como a História demonstra, sempre acaba em ditaturas, crimes e assassinatos e paralisação nacional, em tempos tenebrosos e de escuridão. Como é da sua gênese.
*Jornalista e historiador ([email protected])