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Carta aos Tempos
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Carta Aberta ao Município de Ouro Preto

Completamos, em 2020, 132 anos de uma pretensa abolição da escravatura que, ao invés de libertar, condicionou o povo negro a uma situação de subemprego, marginalização e dificuldade de acesso à educação, à moradia e à alimentação adequadas. Esse problema histórico faz com que negros sejam, hoje, os mais afetados pela contaminação do novo coronavírus em todo o Brasil.

Preocupado com a situação da população negra e periférica do município de Ouro Preto, o Coletivo OuTro Preto se manifesta, por intermédio da seguinte carta, que entregue ao “Comitê Técnico do Coronavírus” e ao “Comitê para avaliar e planejar a reabertura gradual” do comércio, no dia 13 de maio, dia da pretensa abolição da escravatura no Brasil. 

Ouro Preto, 13 de maio de 2020. 

Ao Comitê para avaliar e planejar a reabertura gradual, 

O Brasil soma mais de 13 mil pessoas falecidas devido à contaminação com o novo coronavírus e assistimos atônitos as decisões que poderiam poupar vidas que estão sendo negociadas pelos jogos de interesse político e financeiro. Ao ver a pandemia se espalhando pelo mundo – descontrolada, na maior parte do país -, voltamos nossos olhares para Ouro Preto. Nossa cidade é, ao mesmo tempo, uma referência patrimonial e uma região de grande desnivelamento social.

Por isso, nós, do coletivo OuTro Preto, viemos, por meio desta, manifestar nossa imensa preocupação com as medidas que envolvem o controle da disseminação da doença em nossa região. Entendemos que se trata de um quadro sem precedentes e, assim sendo, destacamos a necessidade de medidas que reforcem a proteção da população de Ouro Preto, seus distritos e localidades, sobre a gravidade do contexto.

Até o momento, o município de Ouro Preto segue com poucos casos confirmados de contaminação e nenhum de morte diagnosticada em decorrência da contaminação pela Covid-19. No entanto, este fato pode estar mascarado pela baixa taxa de exames realizados, seja nas pessoas com sintomas ou naqueles com quem os casos confirmados tiveram contato.

A demora na análise e confirmação são, ainda, fatores de maior preocupação, já que, grande parte dos casos de contaminação são assintomáticos, mas colocam o indivíduo como agente de propagação. Isso faz com que o vírus seja inofensivo para um grupo de pessoas e, ao mesmo tempo, fatal para outro.

Pela característica de ser um ponto turístico reconhecido mundialmente, a cidade precisa traçar planos claros de controle do trânsito de pessoas para evitar que, quando retomada, a circulação de turistas transforme-se em um grande risco para todos. Essa estratégia precisa ser traçada em diálogo com os empresários e com as classes trabalhadoras, linha de frente nesse processo.

Uma vez criado o comitê, que objetiva a retomada das atividades comerciais na cidade, é fundamental que haja um diagnóstico preciso, que dê base para a construção de estratégias que garantam a retomada segura das atividades. Por isso, entendemos como necessária a adoção de uma estratégia de maior testagem dos moradores, que apresente de forma eficaz, a real situação do contágio em nosso município.

Também nessa linha de pensamento, as decisões de retomada das atividades acadêmicas da Universidade Federal de Ouro Preto indicam o mesmo risco de aumento da circulação do vírus. Mesmo respeitando a autonomia institucional, é preciso realizar um diálogo entre as instituições e o alinhamento dos encaminhamentos.

Preocupa-nos, ainda mais, a condição das comunidades da periferia, distritos e localidades. As condições de moradia, de deslocamento e de acesso à informação, associada à sujeição da manutenção do trabalho dessa população que está na base da sociedade, os coloca como alvo principal para os efeitos mais graves da doença.

Diante desta situação que afeta todo planeta e que, no Brasil, tem assumido uma característica alarmante, enfatizamos a necessidade de medidas que reforcem a conscientização, a orientação e a proteção da população sobre a gravidade do momento. Podemos ter formas diferentes de lidar com a crise que assola todo o mundo, mas não temos o direito de colocar em risco nosso bem maior: a nossa população.

Nesse sentido, apontamos os seguintes encaminhamentos como urgentes:

  • Não reabrir o comércio antes de ser realizada ampla testagem no município, que identifique o real número de infectados; 
  • Não reabrir as atividades turísticas antes que esteja afastado o risco de disseminação em larga escala para a comunidade;
  • Utilizar testes de detecção do vírus, para uma maior confiabilidade;
  • Encontrar formas de disponibilizar máscaras e álcool em gel para a população que necessita circular nas áreas urbanas, em especial nas instituições financeiras;
  • Exigir que cada instituição ou estabelecimento comercial que deseje reestabelecer suas atividades, elabore um planejamento e encaminhe à prefeitura para análise, informando quais ações irão tomar para combater a contaminação em suas sedes;
  • Fiscalizar intensamente o funcionamento das empresas, em especial as ações de coação de funcionários para retorno ao trabalho sem a real justificativa e ambiente seguro. 

Atenciosamente,

Coletivo OuTro Preto
#OutraOuroPretoPossivel

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