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Carta aos Tempos
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As expectativas de um novo mundo

No momento, a epidemia ainda subverte as certezas. Mas também aguça a consciência de que é possível, desejável e urgente, pensar que as experiências vividas podem e devem gerar um novo mundo pós-pandemia. Com quase cinco meses de epidemia e suas as consequências humanas e sociais, especialmente o confinamento que impõe novas condutas, amplia-se a consciência de que são necessárias mudanças em direção a um realinhamento global que torne o mundo mais solidário, mais cooperativo, redesenhe o sistema econômico, privilegie as resultantes sociais, seja mais inclusivo, reduza as desigualdades e abra-se ao compartilhamento de questões que possam contribuir para uma evolução civilizatória universal. 

Apesar da suspeita de que as crises podem não ser suficientes para consertar desvios e erros, há concordância que o mundo deveria aprender que nações, e o mundo, precisam de um sistema econômico mais equilibrado, mais justo e solidário, sustentável por maior diálogo e cooperação internacionais, com maior conectividade produtiva. E que os protecionismos sejam substituídos pela multilateralidade. E ainda, e fundamentalmente, fazer com que a crise epidêmica não aumente a pobreza e a desigualdade. E que a globalização seja incorporadora de benefícios e conquistas e não sirva apenas ao capitalismo especulativo financeiro, sustentador das desigualdades, como nas últimas décadas, que procura sustentar-se num modelo denominado neoliberalista que privilegia mais o rentismo e amplia exclusões sociais. A redução de desigualdades, como ideologia dominante e universal, revela-se a lição ética, de claro cunho humanista e de solidariedade, que a tragédia epidêmica indica claramente. E seria o maior legado desta epidemia.

O vírus tornou interdependentes e agudas várias crises: saúde pública, economia, política, gestão pública e pessoal, familiar. As lições do confinamento são muitas e sinalizam novos costumes que, bem aceitos, vão permanecer, como padrões de consumo mais conscientes, o trabalho digital e o diálogo eletrônico para o home-office, o sistema híbrido de trabalho, a relação escolar, o e-commerce e consultas e negociações, o aprender a poupar, maior austeridade, atenção aos orçamentos domésticos, mais tolerância convivencial, valorização das questões de saúde e da ciência, o meio ambiente, ampliação das relações humanas. E maior atenção na transitoriedade e na fragilidade da vida. Já não é mais possível dissociar afazeres diários da modernidade dos meios eletrônicos. Evidencia-se a imperiosa necessidade de governos mais eficientes, o que valoriza a importância de escolhas conscientes pelo debate político-ideológico. E que mudanças e transformações que já estão em curso mas que podem ser aprimoradas, em benefício de todos, constem de pautas dos governos em todas suas instâncias, sob vigilância pública. 

Espera-se, afinal, que a epidemia e a crise social, com redução do emprego e das oportunidades de trabalho, a falência de serviços públicos as falhas dos governos, os déficits públicos, o aumento das dívidas públicas e privadas, a recessão econômica paralisante, não sejam os resultados únicos da epidemia, aumentando a exclusão e a pobreza. Torna-se premente e urgente a adoção de procedimentos que possam reduzir a crise social que viveremos até o controle pleno da epidemia. E que o aprofundamento das tragédias humanas não seja o único legado. E que uma agenda de ações incorpore as lições aprendidas, indique as ações emergenciais e as mudanças indispensáveis. O imobilismo é o pior cenário.

*Jornalista (mwerkema@uol.com.br)

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